Atelier Design em madeira de António Ivens

Produtos desenhados e produzidos por designer industrial açoriano têm dimensão internacional

 Correio dos Açores - Tirou um curso técnico-profissional na área do Secretariado, mas aos 24 anos decidiu estudar Design Industrial na Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha, Leiria. Decidiu seguir esta área porque tinha gosto? Conte-nos um pouco sobre o seu percurso. 
António Ivens (designer) – Tirei um curso profissional que nada tem a ver com a área em que estou a trabalhar agora. Só depois fui tirar Design Industrial, entre 2010 e 2014. Sempre estive ligado à parte artística. Desde criança que gostava de desenhar e pintar, e tinha algum jeito. Ao longo do percurso profissional e académico, se estivesse numa área que não tivesse a ver com artes, estava sempre a criar à parte. Eu sabia que o meu percurso passava pela parte criativa, por isso é que em 2010 ingressei na faculdade. Ainda trabalhei durante seis meses em secretariado, mas não me completava a 100% e não me via a fazer aquilo durante 20 ou 30 anos. Enquanto estava a trabalhar nesta área, procurei faculdades e inscrevi-me na universidade. Estava a procurar alternativas, uma área que me realizasse mais.

Em que consiste o Design Industrial? Que saídas profissionais oferece?
Ingressei num politécnico, por isso tínhamos a vantagem de não só aprendermos com a teoria, mas também com a prática. O Design Industrial – ou do produto designação – é a parte mecânica de um produto para ser utilitário. O Design Industrial do produto pode criar tudo o que é objectos pequenos ou de grande escala. Consiste na criação do conceito e objecto para a utilização humana, e envolve diversas matérias.
As saídas limitam-se um pouco, neste caso, às indústrias ou estúdios independentes. Esta área está muito virada para a parte da industrialização, ou seja, os designers vão para grandes fábricas e empresas, para o sector da criatividade e para desenvolvimento de produtos, e vão muitas vezes para o estrangeiro.
Nos Açores, é um pouco limitado. Tive um pouco de dificuldade, porque para entrar na minha área no mercado local, tinha de me limitar a fazer um tipo de funções. O designer gráfico tem mais facilidade em ingressar no mercado de trabalho do que um designer industrial, porque as empresas estão habituadas a comprar um produto de fora, que já está pensado. No meu caso, estou capacitado para projectar produtos para utilização humana.

Decidiu, então, trabalhar por conta própria, a tempo inteiro?
É completamente a tempo inteiro. Trabalhei três anos numa empresa a fazer personalizações, troféus, e a projectar ideias e conceitos. No fim de 2019 e início de 2020, o trabalho estava tornar-se muito repetitivo para mim, apesar de ser interessante, e eu tinha outros projectos que queria fazer, mais na parte criativa e artística. Nas empresas ficamos limitados a fazer apenas aquilo que nos mandam, com funções tabeladas, e isso estava a quebrar-me um pouco. Desde muito antes de ir para a faculdade queria ter um projecto próprio.

Faz desde o desenho e o conceito do produto, até à sua produção manual e ao produto final?
Sim. Desenho os produtos em programas de desenho técnico, outros de tridimensão, faço as maquetes para os clientes. Mesmo que seja um produto simples, faço maquetes com texturas, cor, e ofereço esse serviço ao cliente, antes de executar o produto, para já ter ideia do que vai ter. Faço a parte técnica, gráfica, e depois de ter a aceitação, faço os produtos físicos. Cerca de 95% de todos os produtos são originais e são feitos aqui a 100%. Trabalho muito com madeira, mas também com acrílicos, cortiças, resinas epóxi, e faço misturas de materiais. Trabalho diversos materiais, excepto metais.

Foi no curso de Design Industrial que aprendeu a trabalhar com estes materiais?
Exactamente. No curso, tínhamos dias nas oficinas, fazíamos visitas a fábricas e desenvolvemos algumas habilidades para perceber a maquinação para cada material. No Design Industrial aprendemos sobre as famílias dos materiais e como é que eles reagem a diversas temperaturas, como é que se processa o produto. Daí ter já alguma ideia de como se processa alguns materiais. Enveredei pelas madeiras e acrílicos por já estar um pouco familiarizado e por saber como manuseá-los e transformá-los.

Tem um espaço físico para trabalhar e para vender?
Tenho um ateliê na Canada do Passal, em São Mateus da Calheta, onde faço os meus produtos e o cliente vem buscar a sua encomenda. Tenho aqui uma pequena amostra das peças. Costumo receber tanto locais como turistas. Inclusive, as pessoas podem ver-nos a trabalhar, a mim e o meu irmão, que me ajuda na parte da produção. Podem ainda ver os projectos em fase inicial, em andamento, ou a serem concluídos. É um espaço aberto.
Trabalho por encomenda. Desde o início, em plena pandemia, estava já a desenvolver alguns produtos, e tive alguma demanda internacional. Criei uma loja num site internacional e comecei a vender através dele, a um público gigantesco, comparativamente às nossas ilhas. Dá para trabalhar, seja em casa, ou num espaço fechado, e ter demanda e venda, sem depender do local.

Que artigos é que produz?
Apesar de parecerem embelezados, crio os meus produtos sempre com o intuito de serem utilitários. Só alguns artigos encomendados por clientes é que são de decoração. A minha diferenciação do mercado local, e de grandes empresas com grande capital, é o facto de os artigos serem totalmente diferentes e utilitários. 
Tenho muitos artigos com a temática do mar, misturando madeiras e resinas para criar ume feito marinho. São artigos com saída e já tenho alguns parceiros em ilhas centrais para vender este tipo de produtos. Com esta temática tenho desde relógios, tábuas para charcutaria ou petiscos, porta-cabides, porta-casacos, alguns artigos decorativos, porta-chaves, pendurais, chaveiros, candeeiros. Tenho molduras, porta-velas. Tenho muitos artigos pensados para convívios, comes-e-bebes e para casa.
Faço ainda artigos temáticos, para o Natal por exemplo, personalizáveis e outros um pouco maiores em madeira para alojamentos locais, por exemplo, como pranchas de surf decorativas à escala.

Tem recebido muitas encomendas para fora?
Vendo alguns artigos online, e fora do mercado local, também estou a explorar a venda para o mercado mundial. De vez enquanto saí uma peça. Já vendi para diversos países, entre os mais habituais e com mais poder de compra foram o Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Itália, França. Para países mais inusitados, foram o Japão, Turquia.

O que é que estes países estrangeiros encomendam, normalmente?
Pedem muitos artigos relacionados com o mar, e por produtos que são diferentes do que se vende habitualmente. Compram muitos porta-chaves em forma de pranchas. É um artigo que dá para personalizar e é feito manualmente. Já fiz artigos para casamentos em Itália, fiz produtos regulares para empresas de surf nos Estados Unidos, que têm resorts. Já tive um contacto de uma empresa de relógios de alta gama para fazer artigos personalizados. O mercado online tem um potencial enorme. Estes contactos surgiram devido à loja online.
Também trabalho com algumas instituições, para eventos locais, principalmente na área do desporto. Já tenho parceiros habituais.

Neste momento, consegue ter encomendas suficientes para ter um rendimento fixo?
Este é um projecto independente, e sim, consigo tirar um ordenado, sendo que a minha metodologia é sempre reinvestir. O projecto está numa fase embrionária, tem apenas três anos, e está em crescimento. Apesar de em termos físicos o espaço ser o mesmo, de há três anos, mas mais recheado, está em crescimento porque tenho feito cada vez mais projectos e estou cada vez mais lotado em termos de tempo. Tenho menos tempo para criar, porque já tenho um leque muito grande de artigos diversificados. O meu network cresceu imenso, desde parceiros a projectos em parceria. Vejo as coisas não só materializadas, em termos de lucros, mas o valor tem de englobar tudo e network também é valor. Ao longo destes três anos, tem sido sempre a progredir. 
É rentável, mas é uma área de muito trabalho. Apesar de ter muitos equipamentos que produzem a peça, mas a peça tem de se montar manualmente e há trabalhos que são muito minuciosos. Tem de se limpar as peças, preparar, envernizar. A parte do manual é fundamental nesta área. Sem isso, é impossível fazer este tipo de artigos. Muitos dos artigos têm matérias de famílias diferentes, como madeiras e acrílicos, rocha e resinas, e há uma maneira de trabalhar cada uma delas, e cada uma tem os seus tempos de processo. Tem de haver trabalho manual e critério, e, acima de tudo, saber manusear as matérias e perceber quais as que combinam.

Tem tudo para crescer. Onde gostava de chegar com este projecto?
Na parte criativa e artística, não há limite. Quero ser o maior ateliê dos Açores, este é o meu propósito, e até ser um dos mais conceituados de Portugal. Quero criar a minha marca. Tenho já projectos de artigos que quero materializar, mas cada um no seu tempo, porque são artigos maiores. Quero ter parceiros internacionais e quero chegar ao mercado internacional com regularidade e para isso é preciso produzir em massa. Não quero descurar da qualidade e da diversificação porque é isso que me marca e que quero passar para o mercado. O meu propósito é chegar às pessoas e às massas. 
Acima de tudo, quero acabar com esta lacuna aqui nos Açores, e oferecer essa diversificação aqui. Sinto que os mercados estão cada vez mais saturados de muitos artigos semelhantes comprados no estrangeiro, na Ásia, por serem muito em conta. Quero oferecer alguma qualidade e quero zelar, acima de tudo, pela originalidade.

Mariana Rovoredo

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Autor: CA

Categorias: Regional

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