Pastelaria em Santa Maria tem o selo de qualidade Marca Açores

A Cagarrita recupera e dá vida a receitas antigas e escondidas na história da Região

Apesar de A Cagarrita ter aberto portas em 2017, foi pensada por Rosa Cabral durante mais de 20 anos. Este era um sonho antigo que só se tornou realidade no momento certo, para que o projecto correspondesse ao idealizado. Após 20 anos fora, Rosa Cabral regressou a Santa Maria e encontrou uma ilha parada no tempo. A mariense decidiu apostar na promoção da riqueza da ilha, dignificando o que de melhor ali se faz.
Durante dois anos fez uma vasta pesquisa, batendo porta a porta das pessoas mais velhas, à procura de segredos e receitas escondidas que tornassem os produtos confeccionados verdadeiramente únicos e apreciados pelos consumidores, tanto pelo sabor como pela história que carregam. Além de preservar a tradição, A Cagarrita trabalha para dar uma nova imagem aos produtos tradicionais da ilha, criando produtos arrojados que a todos surpreendem pela positiva.

Qual é a história da Pastelaria A Cagarrita?
Na realidade, este projecto nasceu há mais de 30 anos, quando eu tinha aproximadamente 25 anos. Hoje em dia não é permitido, mas na altura ainda se podia adaptar as cozinhas das nossas casas, com as devidas licenças, a esta área. Assim o fiz, e comecei a confeccionar doces e pão em casa. Porém, por motivos profissionais, o meu marido, à data, foi para a Madeira e eu vi-me obrigada a abandonar o projecto para acompanhar a minha família, pelo que ficou em stand-by desde esta altura.
Estive 11 anos na Madeira e 10 anos em Portugal continental. Passados 20 anos, voltei a Santa Maria porque queria um pouco de calma e estava farta de cidades grandes. Quando regressei, comecei a trabalhar na restauração para me adaptar de novo, mas já tinha a ideia de dar forma a este projecto, nesta altura, ainda mais vocacionado para a padaria.
No Clube Naval, o local onde trabalhava, tive contactos com imensos turistas que lá iam. Certo dia, um casal disse-me que estava pela primeira vez em Santa Maria e que gostaria de levar algo de sabores da ilha para a família, mas não encontravam nada de especial além de uns pacotes de biscoitos de orelha. O casal de turistas mostrou-se insatisfeito porque queria mais qualquer coisa, além de que os biscoitos estavam dentro de um pacote “normal”. Ora, fiquei a pensar nisso e decidi mudar de projecto. Em vez de abrir uma padaria, pensei que o melhor seria apostar numa pastelaria. Ocorreu-me recuperar os produtos que temos e que não tinham o devido reconhecimento no mercado. Então, fui procurar algumas receitas antigas que tinha de família e fui bater de porta em porta das pessoas mais antigas, pedindo-lhes que me facultassem as suas receitas antigas, bem como algumas formas de confeccionar, tendo em conta que agora fazemos de uma maneira e antigamente fazia-se de outra. Concluída esta etapa, já com as receitas na mão, fui fazendo algumas experiências e comecei a idealizar a imagem que pretendia para a pastelaria. Primeiro, fiz uns rabiscos numa folha A4 e posteriormente levei a um profissional que me ajudou a dar forma às minhas ideias, surgindo assim a imagem d’ A Cagarrita. O nome foi dado pelo meu companheiro da altura, que me chamava “cagarrita”, pois os marienses são conhecidos por cagarros.
Não posso deixar de realçar a preciosa ajuda da Incuba+ Santa Maria, que é muito importante para o desenvolvimento da ilha e dos empreendedores marienses. Sem o apoio da Incubadora de Empresas tinha sido muito difícil chegar onde estou. Santa Maria não tinha infra-estruturas com condições para a implementação da actividade do ramo de produção alimentar.

É notório o cuidado que tem com o packaging dos produtos…   
Tenho um cuidado especial com a apresentação. As primeiras embalagens que encontrei e que me agradaram tinham que vir de Espanha. Mais tarde descobri um espaço em Aveiro e desde aí trabalho com eles. No princípio, comecei por utilizar laços feitos de ráfia, mas como não estava satisfeita fui procurar outra coisa e encontrei umas fitas douradas, com um tom específico que vêm dos Estados Unidos.  
Mas o rótulo já sofreu alterações desde que abri a pastelaria. Fui melhorando e adaptando-me aos poucos. Felizmente, A Cagarrita tem sido um sucesso desde que foi lançada no mercado, em Maio de 2017, e é reconhecida a nível internacional até.

Quando começou a ganhar gosto pela pastelaria?
Este gosto já vem desde muito nova. Casei com 16 anos e quem fez a minha festa de casamento fui eu. Quando cresci, as raparigas da minha época aprendiam a fazer de tudo um pouco e eu criei gosto a partir daí. Recordo-me perfeitamente que tinha 9 anos quando cozi a minha primeira fornada de pão. A pessoa que mais me incentivou a prosseguir com o gosto por esta área foi o meu pai.

Tem formação nesta área?
Nunca fiz formação, embora tenha tentado ir para a Escola de Formação Profissional da Madeira quando vivi lá, mas como tinha filhos pequenos e não podia deixar de trabalhar, não se concretizou. Desde muito nova, optei por comprar livros para adquirir algum conhecimento. Com o decorrer da vida e com o desempenhar das minhas funções profissionais adquiri muita experiência. Trabalhei com bons chefes e pasteleiros que me ensinaram muito, ajudando-me a aperfeiçoar aquilo que já sabia. Em 1990 já trabalhava como cozinheira em Santa Maria e, antes disso, organizava festas, tais como baptizados, casamentos, entre outros eventos particulares.

Tem empregados por sua conta?
Neste momento, não tenho empregados. Esporadicamente, vêm umas senhoras ajudar-me e a minha filha, assim como alguns familiares mais próximos dão-me uma ajuda em algumas coisas. Não é fácil arranjar quem faça biscoito de orelha, pois é difícil de se dar com o jeito. Além disso, esta profissão exige estar muitas horas em pé, levar com o calor dos fornos e não é toda a gente que está disposta. Aliás, é cada vez mais complicado arranjar quem saiba trabalhar nesta área. São todos produtos artesanais, feitos manualmente, pelo que é preciso alguma prática, algum jeito e, acima de tudo, vontade de aprender.
Por norma, trabalho sozinha e por isso faço 36 horas seguidas, por vezes. Faço-o por gosto, mas esta é uma área que dá muito trabalho e exige muitas horas de dedicação. Na minha pastelaria nada é congelado. As massas são todas feitas na altura e são fermentadas como deve ser, conforme as próprias massas necessitam. Há tipos de massa que levam entre 8 horas a 12 horas a levedar e é preciso ter atenção para elas não passarem do ponto, senão perdem a sua forma. Não há máquinas para amassar, é tudo à mão e também não uso aditivos nem conservantes.
Uma particularidade é que os produtos utilizados n’A Cagarrita, tais como a manteiga, o leite, os ovos, são todos dos Açores. Temos que dar valor ao que temos. As pessoas costumam dizer-me que os meus biscoitos têm um sabor diferente e eu creio que é pelo facto de utilizar matéria-prima de qualidade. É verdade que são mais caros, mas não abdico dos nossos produtos. Chega matéria-prima semanalmente à  A Cagarrita, pelo que não há armazenamento. Os produtos são todos frescos e isso faz toda a diferença.

A aposta em produtos açorianos frescos e de boa qualidade, assim como a recuperação de receitas antigas e tradicionais de Santa Maria é a chave do sucesso da pastelaria?
Nós temos tantos produtos típicos com qualidade. Eu não tenho mais tempo ou mão-de-obra para me dedicar a isso, mas existem muitos ainda para fazer. São receitas de tradição, com muitos anos. Porque não aproveitar a riqueza que temos e oferecê-la a quem nos visita?! É uma pena termos produtos tão bons e variados na nossa história e as pessoas que nos visitam levarem algo sem jeito. O biscoito de orelha é bom, mas era preciso dar-lhe uma imagem mais atractiva. Ou seja, temos bons produtos, porém é preciso saber como oferecê-los a quem nos visita e procura. É necessário também apostar na inovação, aproveitando produtos que temos para criar outros. Por isso, criei o Bolo do Colombo que tem tido bastante sucesso. As pessoas vão buscá-lo, de propósito, à pastelaria quando não o encontram no Cais.

Que produtos confecciona?
Actualmente, faço biscoitos de orelha, biscoitos de cerveja, Bolo do Colombo, júlias, dedos de dama, encanelados, fósseis doces, pão de cerveja, roletes e cavacas.

Destes, qual tem mais saída? Ou seja, qual é o ex-libris d’ A Cagarrita?
É complicado eleger um produto, porque as vendas estão equilibradas. É muito raro pedirem mais de um produto do que outro. Havendo alguma diferença, diria que os produtos que se vendem muito são os biscoitos de orelha, os biscoitos de cerveja, as cavacas, o Bolo do Colombo, as júlias. No geral, está tudo equilibrado.

Qual é o feedback dos clientes?
O feedback tem sido do melhor que se pode esperar. Como eu trabalho sozinha e este é um trabalho extenuante, às vezes, sinto-me cansada e é esse feedback positivo dos clientes que me tem ajudado imenso a seguir em frente.
O ano passado tive um grupo de holandeses que, em vez de comprarem os produtos no mercado, fizeram questão de se deslocar à pastelaria para ver como é que os produtos eram confeccionados e para sentir-lhes o cheiro quando saíam dos fornos.
Além dos açorianos e dos continentais, tenho clientes de várias nacionalidades, desde franceses, alemães, holandeses, entre outros. Alguns já vêm à A Cagarrita com a fotografia do produto que querem no telemóvel. Muitas vezes, são os amigos ou os familiares que levam de oferta quando vêm de férias e eles quando vêm a Santa Maria procuram.

Onde vende os seus produtos?
Nas ilhas, estou há um ano a fornecer para as lojas do Continente, nomeadamente Faial, São Miguel, Pico, entre outros. Os produtos d’A Cagarrita têm seguido para todas as lojas Continente dos Açores. Forneço desde massas frescas a biscoitos para loja de Santa Maria que abriu recentemente. Além disso, mantenho outros clientes, como por exemplo o Príncipe dos Queijos. Todavia, tenho tido contactos de empresas, tais como o Pingo Doce, e outras, que gostariam que eu trabalhasse com eles. Mas, eu não tenho mão-de-obra e não me posso comprometer. Nunca tenho produção de mais de uma semana em casa, porque já tenho encomendas para o escoar.
 
Que perspectivas tem de futuro?
Quando temos um negócio, temos sempre perspectivas de crescimento. De momento, confesso que tenho um certo receio quanto ao futuro por não estar a conseguir arranjar mão-de-obra que dê continuidade à A Cagarrita. Tenho 58 anos e quando não conseguir dar conta do recado sozinha, a produção poderá diminuir e eu tenho receio que isto aconteça. Enquanto tiver saúde, pretendo continuar em frente, sem dúvida.  
                                       

Carlota Pimentel

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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