Correio dos Açores - Há períodos do ano em que alguns municípios dos Açores, inclusive de São Miguel, têm carência de água. O que se tem feito e o que se pode fazer para manter os mesmos caudais de água durante todo o ano?
Sónia Santos (Presidente da ERSARA, Entidade de Regulação dos Serviços de Águas e Resíduos dos Açores) - O Programa Regional da Água, cuja alteração foi publicada no passado dia 8 de Março, refere que “no arquipélago não existem grandes limitações quantitativas de recursos hídricos, nomeadamente no que concerne às disponibilidades em água subterrânea. Com efeito, o balanço entre necessidades e disponibilidades demonstra que a procura pode ser satisfeita a partir das disponibilidades existentes, embora importe ressalvar que em algumas ilhas é fundamental gerir adequadamente o esforço já assinalável de captação de água subterrânea, pois a distribuição de recursos é marcada por uma acentuada assimetria ao nível do arquipélago.”
Assim sendo, um dos grandes desafios que se coloca ao sector do abastecimento de água é o da gestão e uso eficiente deste recurso, cuja questão primeira e primordial está relacionada com a implementação de medidas para reduzir a grande percentagem de perdas de água que ocorrem na maioria dos sistemas de abastecimento de água da Região, embora a maior parte dos municípios não disponham de dados fiáveis sobre a efectiva quantidade de água perdida nos sistemas. Duas das medidas que permitirão melhorar este cenário passam por cada entidade gestora melhorar o nível de conhecimento relativamente às suas infraestruturas de abastecimento, assim como pela melhoria da gestão destas.
Com este propósito, a ERSARA disponibiliza, desde 2017, um Guia de Orientação para as entidades gestoras que visa apoiá-las na construção, gestão, manutenção e atualização do cadastro das suas infraestruturas. Afinal, só se pode gerir bem aquilo que se conhece.
A ERSARA faculta também um Guia de Orientação para a implementação de um sistema de avaliação de desempenho pelas entidades gestoras, um instrumento que permite quantificar objectivamente as potencialidades e deficiências dos sistemas de abastecimento e, como tal, sustentar os processos de tomada de decisão, nomeadamente no que se refere à adopção de medidas correctivas.
Presentemente, a Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas, através da ERSARA, tem em vigor o Programa de Apoio à Avaliação do Balanço Hídrico e Controlo de Perdas de Água, que permite às entidades gestoras um apoio anual até 15.000 euros, num total de 60.000 euros para os 4 anos de vigência do Programa, para a aquisição de equipamento para medir a água de entrada no sistema, a água fornecida para distribuição, bem como as perdas de água.
A par disso, a ERSARA promoveu e pretende continuar a realizar acções de formação que permitam aumentar capacitação dos vários intervenientes na gestão dos sistemas, desde o operacional ao decisor.
Será uma via possível investir com fundos do PRR em sistemas de transformação da água do mar em água potável para determinados consumos?
A resposta a esta pergunta encontra-se parcialmente na anterior. Como referido, o balanço entre necessidades e disponibilidades demonstra que a procura pode ser satisfeita a partir das disponibilidades de água subterrânea existentes, embora em algumas ilhas seja fundamental gerir adequadamente o esforço já significativo de captação de água subterrânea. Desta forma, antes de pensarmos em processos de dessalinização da água do mar para abastecimento público de água, é primeiramente necessária e imperativa uma maior eficiência na gestão deste recurso pelas entidades gestoras e, portanto, uma diminuição substancial da quantidade de perda de água nos sistemas de abastecimento, e secundariamente, pensar em formas de reutilização da água.
Hoje em dia ainda vê-se muitos açorianos a comprar água nas superfícies comerciais quando têm praticamente água de tão boa ou melhor qualidade nas suas torneiras. O que fazer para que mais açorianos bebam água da torneira? Não faltarão mais acções de sensibilização? Até porque os Açores têm água segura com valor superior a 99% em praticamente todos os concelhos.
Efectivamente, nos Açores, na sua generalidade, a água para consumo humano fornecida pelos sistemas de abastecimento público é de boa qualidade. Os dados de controlo da qualidade confirmam que se pode beber água da torneira em segurança.
O Relatório do Controlo da Água para Consumo Humano que a ERSARA publica anualmente, demonstra isso mesmo. Da análise dos dados do relatório de 2022, constata-se que o indicador Água Segura registou um valor de 99,01%. Este indicador é calculado considerando o cumprimento do número de análises da água exigidas na legislação em vigor e o cumprimento dos limites de qualidade dos vários parâmetros microbiológicos e químicos, também impostos legalmente.
Esta mensagem, de que é seguro beber água da torneira, tem sido alvo de uma forte aposta de sensibilização, quer por parte das entidades abastecedoras, quer por parte do Governo Regional dos Açores, através da Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas e da própria ERSARA.
A ERSARA entende que será importante desenvolver, com esta temática da água, acções de formação para jornalistas.
Porque o objectivo é atingir os 100% em termos de qualidade, os municípios podem assegurar a melhoria contínua da qualidade da água distribuída, devendo, obrigatoriamente, implementar um adequado tratamento da água destinada ao consumo humano, através do investimento em sistemas de tratamento com maior complexidade técnica, tornando os processos de tratamento e desinfecção da água mais eficazes. O que tem sido feito a este nível?
Diariamente, as entidades gestoras dos sistemas de abastecimento público de água para consumo humano trabalham para que se mantenha um nível bom da qualidade da água que fornecem. Uma vez atingidos os patamares pretendidos, só um esforço contínuo permite a manutenção, ou até mesmo melhoria nalguns casos, destes patamares.
Dito isto, é importante perceber que a boa qualidade da água de consumo nos Açores advém, em grande parte, do facto da água captada ser ela também de boa qualidade, na maioria dos casos. Por isso, primeiro que tudo, há que garantir a manutenção, ou melhoria progressiva, quando aplicável, da qualidade das massas de água e também das origens de água.
A este propósito, e porque interessa olhar para o futuro, o actual Programa Regional da Água define uma série de objectivos e medidas a implementar até 2030.
Presentemente, a Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas, através da ERSARA, tem em vigor o Programa de Apoio ao Tratamento da Água Destinada ao Consumo Humano, que permite às entidades gestoras um apoio anual até 10.000 euros, num total de 40.000 euros para os 4 anos de vigência do Programa, para a aquisição de equipamento para tratamento da água para consumo humano.
Em 2020 apenas Angra do Heroísmo estava com água a 100% de Qualidade. Em 2022 outros municípios atingiram este objectivo. Em 2019 foi concedido o selo ERSARA, em termos de qualidade da água para consumo humano, a seis concelhos. Em 2022 foram atribuídos estes selos a que municípios?
Em 2022 decorreu a 7ª edição da cerimónia de atribuição dos “Selos de Qualidade da Água para consumo Humano”, tendo sido distinguidos com este galardão, as entidades gestoras de Angra do Heroísmo, Horta, Povoação, Santa Cruz das Flores, Vila Franca do Campo, Nordeste e Ponta Delgada.
A uniformização do preço da água nos seis concelhos de São Miguel é possível? Que se tem feito neste sentido?
Sobre este assunto importa esclarecer que a ERSARA tem trabalhado no sentido de contribuir para uma harmonização das estruturas tarifárias adoptadas por cada entidade gestora dos serviços de abastecimento de água para consumo humano, saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos. Criou também regras para que os tarifários aplicados atendessem a critérios de racionalidade económica e financeira. Isto consubstancia-se numa recomendação publicada no portal da ERSARA.
A uniformização do preço da água nos seis concelhos de São Miguel só seria viável na perspectiva de uma gestão integrada a nível de ilha, concentrada numa única entidade gestora e essa é uma decisão que cabe aos municípios.
Tem algo mais a acrescentar que considere interessante e/ou importante no âmbito desta entrevista?
Gostaria de terminar, realçando o papel da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos dos Açores, a ERSARA, na melhoria da gestão do sector da água, quer por via da avaliação da qualidade dos serviços prestados pelas várias entidades gestoras, com o objectivo de induzir comportamentos de melhoria na medição e conhecimento das diversas componentes do serviço, optimizar os processos de gestão envolvidos e uma tomada de consciência para o cumprimento de metas, passando pelo apoio e formação técnica que disponibiliza às entidades reguladas, através de publicações técnicas, recomendações e regulamentos e cursos de formação.
É também papel da ERSARA, enquanto entidade reguladora, a protecção dos direitos e interesses do consumidor no que respeita ao acesso universal, à elevada qualidade e ao preço justo e adequado dos serviços de águas e resíduos dos Açores, salvaguardando a sustentabilidade económica, financeira e ambiental das entidades gestoras, de forma a garantir os mesmos direitos às gerações futuras.
João Paz