Manuela Lima, investigadora de genética humana e professora da Universidade dos Açores

O teste genético pré-implantação no embrião é possível para dominar a doença de Machado-Joseph

Depois de descrita em 1972 e 1976 por três grupos distintos de investigadores norte-americanos, só nos anos 90 foi possível identificar a alteração molecular no cromossoma 14 que causa a Machado-Joseph, uma doença “hereditária e de origem genética”. 
Manuela Lima, Professora Catedrática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores, é, desde 1996, a principal investigadora desta doença que tem na nossa região e, muito concretamente na ilha das Flores, onde se regista uma prevalência de 1 em cada 140 habitantes, a mais alta taxa de prevalência do mundo. 
Apesar dessa particularidade, a investigadora faz questão de esclarecer que esta doença “não é açoriana e existe em muitos países”. 
“Os Açores ficaram ligados a esta doença porque a descrição inicial foi feita em famílias açorianas. Só por isso. Hoje em dia esta doença existe em vários países do mundo e até já se sabe que o defeito genético, que a mutação principal, é asiática. Não tem nada a ver connosco em termos de origem”, enfatiza. 
Encaixando-se dentro das Ataxias Espinocerebelosas, a Machado-Joseph “vai na frente neste grupo de doenças em todos os locais do mundo” e revela-se em média aos 40 anos de idade.
Manuela Lima lembra que esta doença se introduziu por duas vias distintas na região; uma em São Miguel e outra nas Flores e explica que ela tem “uma grande variabilidade clínica, ou seja, a idade de manifestação da doença pode ir desde antes dos 20 até aos 60 ou 70 anos”. O facto de se estabelecer “em cada doente de forma diferente”, é outra das suas particularidades.        

A importância da investigação
“O que temos de assumir na realidade é que esta é uma doença que se manifesta em momentos diferentes e o ritmo de progressão também é diferente entre doentes (…) uma das coisas que me tem interessado é perceber porque razão existe esta variabilidade nesta doença”, afirma.
A investigadora reforça a importância de perceber “porque razão os doentes não são todos iguais”. 
“Isso significa perceber mais sobre os mecanismos que estão em causa. Quanto mais percebermos os mecanismos, mais hipótese temos de a conseguir contrariar e, qualquer pessoa que trabalhe com uma doença genética, tem como objetivo acumular conhecimento para como objetivo último, a conseguir contrariar”, destaca. 
A professora da academia açoriana explica depois que “o diagnostico puramente clínico é muito difícil de fazer porque há sobreposição nas manifestações clínicas com outras doenças parecidas. Há um teste molecular, inequívoco, que permite identificar a alteração concreta que estes doentes têm”. 
Certo, salienta Manuela Lima, é que “nesta doença, quando a mutação está presente, ela irá manifestar-se”. Por isso, a investigação e os ensaios clínicos que se encontram em planificação, revestem-se de extrema importância. 
“É preciso sermos cautelosos nestas doenças que são do foro genético, mas penso que atrasar o início e lentificar a sua progressão são duas expectativas reais”, considera. 

Os testes para a deteção precoce 
da Machado-Joseph
A Machado-Joseph é hereditária e caso um dos progenitores apresente a mutação genética no cromossoma 14, a probabilidade de um filho ou filha desenvolver a doença é de 50%. Hoje em dia, revela a investigadora, é possível apurar com fiabilidade se uma pessoa “em risco” é portadora da alteração genética ainda antes ainda de se começarem a manifestar os sintomas. 
“O chamado teste preditivo (…) é um sistema de consultas que envolve desde logo uma avaliação de psicologia, para perceber se a pessoa terá capacidade de lidar com a resposta. Envolve também uma consulta com um neurologista e com um geneticista. Dentro desse sistema de consultas uma pessoa em risco vai fazer a sua análise molecular e perceber se tem ou não a mutação”, explica. 
Este teste é feito em contexto assistencial, mas, continua a investigadora, “é sempre uma decisão individual, a ser tomada por uma pessoa de maior idade”. 
Outra possibilidade existente passa também pela realização de um teste pré-natal, permitindo a casais onde uma das pessoas seja portadora da mutação, saber se o feto apresenta a mesma alteração. 

A possibilidade do teste genético 
de pré-implantação
O quarto tipo de teste, o de pré-implantação, é para Manuela Lima “uma oportunidade”. 
“O teste genético de pré-implantação permite detetar a alteração genética no embrião, antes da sua implantação, para conseguir que um filho ou filha nasça sem a doença. Este teste é realizado num contexto de fertilização in vitro”, realça. 
Manuela Lima reforça que “esta é uma intervenção no domínio da Machado-Joseph que faz sentido”, mas, que na prática, “há constrangimentos financeiros e de capacidade dos centros que fazem este tipo de intervenção, a nível nacional”. Por isso, a professora considera ser importante “capacitar a região com uma resposta deste género, reforçando competências já instaladas, por um lado ao nível da fertilização in vitro/biópsia embrionária, e por outro, ao nível da realização do teste genético no adulto”.

Rede ESMI e a colaboração 
com Associação de Doentes 
Fundamental no trabalho de investigação desenvolvido na região é a parceria com a Associação Atlântica de Apoio aos Doentes do Machado-Joseph. 
“Uma associação que faz um trabalho notável há vários anos e com quem nós trabalhamos ao nível de investigação com grande confiança e sentido de parceria”, realça. 
Nesse sentido, Manuela Lima salienta a investigação realizada no âmbito da Rede Europeia ESMI, “formada por um consórcio de 8 centros de investigação que seguem portadores da mutação, com o objetivo de identificar biomarcadores e preparar ensaios clínicos emergentes”.
“Temos à volta de 70 portadores da mutação e temos contribuído, dentro da rede ESMI, com um elevado número de participantes e, inclusivamente, de portadores da mutação ainda sem sintomatologia, que é uma fase da doença muito importante para os investigadores”, frisa. 
Sobre o tratamento desta doença que “tem uma sobrevida média à volta de 20 anos”, Manuela Lima salienta a existência de “terapia para aliviar alguns sintomas”, mas que ainda não há “terapia modificadora da doença”. 
“Temos de acreditar que irá aparecer algo capaz de atrasar o início ou lentificar a progressão doença. É nesse sentido que a comunidade científica trabalha”, garante. 
A investigadora diz, ainda a este propósito, que “investigadores e doentes estão a fazer um caminho juntos. Está a ser longo, mas não há plano B, temos de continuar”.
Luís Lobão      
 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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