Correio dos Açores - Esta é a 10.ª edição do festival. Tendo em conta o que este evento tem trazido de benéfico para os Açores, qual é o balanço que faz destes 10 anos do Tremor?
Luís Banrezes (organização) – O balanço, desde logo, é positivo. Nunca pensamos chegar à 10.ª edição. Foi algo que começou de forma impulsiva e inocente. O propósito, inicialmente, era que o festival ocorresse em Ponta Delgada, num dia, e que pudéssemos conhecer a cidade. Pensámos fazer um festival de música que estivesse depois ligado a uma problemática que possa existir na cidade.
Na altura havia uma grande desertificação da cidade. O primeiro ano foi muito desse encontro de pessoas, de tentativas de habitar a cidade, de descobrir novos espaços, inusitados, também, situações de espaços governamentais. Logo a seguir, vieram as lowcost e alargamos o festival para cinco dias, para explorar o território todo. Pensamos em fazer concertos no meio da natureza e em locais de difícil acesso. No fundo, atrair pessoas e dar a conhecer os Açores num formato musical, apresentando música em paisagens bonitas. Íamos fazer um festival simples, mas acabou por acontecer um festival muito complexo, muito diferente do habitual e isso é o que nos traz comunicação e dá uma ideia ao exterior de que nós aqui nos Açores também sabemos fazer as coisas, também conseguimos ser futuristas, originais, contemporâneos. Olhámos para o mar como uma oportunidade de fazer algo diferente, e não como uma barreira.
“Tremor veio dar esperança
e uma nova maneira de
programar e de fazer
as coisas acontecer
Para nós, isso é muito importante, fazê-lo de forma simples, mas aproveitando tudo o que temos aqui. Costumo dizer que a nossa cabeça de cartaz, todos os anos, é a ilha, todo o resto só vem embelezar, no fundo, aquilo que nós fazemos.
Acho que o Tremor deu uma perspectiva e uma maneira diferente de qualquer promotor cultural promover as suas coisas. Acho que era impensável, antes do Tremor, e que de facto existe aqui nos Açores uma era antes-Tremor e uma era pós-Tremor, mas a maneira como as pessoas começaram a programar foi diferente. Agora é uma maneira muito mais ligada ao território, de uma forma, também, mais alternativa. Antigamente havia a ideia de que os concertos acontecem em certos espaços, e o Tremor veio descodificar isso tudo. É muito bonito de ver, pós-Tremor, que há eventos, até das próprias câmaras municipais, que já têm uma dinâmica muito engraçada, de descoberta, das pessoas poderem interligar não só música, mas também artesanato, comida. Está a acontecer muito nos Açores e acho que o grande potencial que temos agora é esse e o que nos torna diferentes, aqui, é a nossa cultura. Se não a preservarmos acabamos por perder o nosso legado por completo. Acho que o Tremor veio dar esperança e uma nova maneira de programar e de fazer as coisas acontecer, por muito complicado que elas sejam, é muito importante arriscar e nós arriscamos.
É muito importante que o que nós fazemos não fique apenas para nós, mas também para as pessoas de fora. No mundo globalizado em que vivemos não podemos programar como há 20 anos. Fazê-lo aqui nos Açores é especial, porque nós somos especiais.
A primeira edição teve uma dimensão mais pequena e num espaço mais limitado.
Sim. Até se chama Tremor por causa disso. Pensamos “abanar” a cidade num dia. Aconteceram concertos por todo o lado, na Londrina, no restaurante A Tasca, inauguramos o Louvre Micaelense e a Casa da Rosa. Concertos de grande e pequena escala, para nós, não fazia grande diferença, queríamos era que as pessoas pudessem ir ás lojas, habitar a cidade e conhecê-la, de facto.
“É importante viver numa
terra que tenha variedade”
O festival permite trazer mais movimento a São Miguel na época baixa, e 70% dos bilhetes deste ano foram comprados por pessoas de outros países. Qual tem sido a tendência ao longo dos anos?
No início, 100% dos bilhetes eram comprados por pessoas de cá. Também era só um dia. A tendência foi internacionalizar o que fazemos. A captação deste público, para nós, é muito importante. De facto, é um fenómeno. Não o fizemos de forma propositada, mas de repente aconteceu muita comunicação à volta do festival. Começamos também a ir lá fora falar sobre ele. O que fazemos foi aliar as belezas que temos ao facto de trazermos música emergente. Achamos que é importante viver numa terra que tenha variedade. É muito importante termos um festival Monte Verde, um festival como aquele que acontece nas Sete Cidades, e também é muito importante ter um Tremor, que nos dá esta ideia de variedade musical. Seremos mais felizes se tivermos muitos festivais, e variedades, do que se não tivermos. Estamos a favor de que eles aparecem cada vez mais e também “despedaçados” ao longo do ano. É importante que isso aconteça.
“Conseguimos alargar
a época sazonal”
Este ano é muito curioso. Quando começamos o Tremor, nesta altura que era considerara “baixa”, não havia mais nada, éramos os únicos a fazer. Agora já há uma série de eventos a acontecer nesta época do ano. De alguma forma, conseguimos alargar a época sazonal, o que é muito importante para os Açores. Acho que o nosso caminho, a nível de turismo, terá que ser obrigatoriamente este.
O público vem de todo o lado?
Sim. Vêm de todo o lado. Desde os Estados Unidos da América. Os artistas que vêm dos Estados Unidos habitualmente também trazem amigos e depois público que também vem arrastado por isso. Já tivemos pessoas da Austrália. Temos uma comunidade muito forte da Alemanha, de Inglaterra. Geralmente do norte da Europa. Este ano temos muito público de Espanha. Vamos ter do Chipre e também de África. No fundo, juntamos pessoas do mundo todo. Isso vê-se na cidade, quando o Tremor está a acontecer.
Implementam medidas para assegurar a protecção ambiental e a sustentabilidade, como a “desmaterialização” da comunicação...
Ao andar pela ilha não se vê qualquer cartaz do Tremor. Abolimos o formato de papel porque achámos que não fazia sentido e que um festival futurista tem que comunicar de forma futurista. Esse também é um fenómeno do Tremor. Com o facto de fazermos simplesmente esta comunicação, temos uma comunidade que a partir do momento em que colocamos os bilhetes à venda, automaticamente vai atrás deles sem uma grande comunicação.
Acho que fazer o festival, e somos privilegiados em fazê-lo, porque trabalhamos com dinheiros públicos europeus e nacionais, temos de ter muita responsabilidade quando estamos a lidar com fundos públicos. É muito importante investi-lo bem, e sobretudo o festival tem de ter essa responsabilidade. Quando criamos estas pequenas nuances no festival não vamos ganhar dinheiro com ele, vamos gastá-lo. Mas gastá-lo a praticar o bem e coisas que fazem falta nos Açores.
“Vamos ter água gratuita.
Acho que é uma medida
que se tem de aplicar,
obrigatoriamente”
Por exemplo, este ano vamos ter a questão da água completamente gratuita. Acho que é uma medida que se tem de aplicar, obrigatoriamente, no resto dos festivais e no resto do ano. Estamos a fazê-lo em parceria com a Câmara Municipal. A cidade não tem pontos de água para beber, mas Ponta Delgada tem de estar aberta ao mundo. Conseguimos que a Câmara de Ponta Delgada colocasse, pela marginal, pontos de água em que as pessoas possam beber. Também queremos que isso passe para o interior da cidade. Temos aqui água boa, nos Açores, o que não acontece em todo o lado. Também é preciso promover essa água. No Tremor, o que estamos a fazer, no fundo, é uma experiência, com estes pontos de água na marginal, mas também nos nossos espaços de concerto. No norte da Europa isso é perfeitamente normal: vamos a um café e a água é gratuita, anda-se na rua e temos pontos de água em todo o lado. Ponta Delgada não pode ficar para trás. Tem de acompanhar esta tendência de sermos cada vez mais sustentáveis e fazermos as coisas com responsabilidade. Queremos que o Tremor seja uma solução de encontrar novas formas de receber, o melhor possível, as pessoas que vêm de fora e facilitar, também, a vida das pessoas que vivem aqui.
“Há medidas que são
implementadas à entrada
dos espaços”
O público estrangeiro que vem ao festival tem uma grande consciência ambiental?
Tem, claramente. As pessoas sabem que vir ao Tremor exige uma série de regras para cumprir, sobretudo a regra de respeitar o meio ambiente onde ele se insere. Quando falamos numa “experiência no meio do Atlântico” é justamente isso. É não vendermos bilhetes a mais para que quem vem possa ter a verdadeira experiência e estar livre, mas também para que os espaços sejam respeitados. Depois, há medidas que são implementadas à entrada dos espaços. Há espaços onde não se pode beber, por exemplo. Noutros espaços é muito importante, a nível de segurança, termos polícia, bombeiros e nadadores-salvadores. Preocupamo-nos com isso e as pessoas respondem da mesma maneira. Por exemplo, fazemos um concerto no Parque Terra Nostra e nunca tivemos qualquer problema. O público é inacreditável. É um público que respeita e deixa uma pegada mínima aqui no nosso território.
É também por isso que os bilhetes e o número de pessoas por actividade é limitado?
A tendência de qualquer festival é aumentar todos os anos. Para nós, isso não faz sentido, porque não podemos arranjar mais terra. Esta é a nossa ilha e não vamos inventar espaços. Vamos utilizar o que existe aqui.
Mariana Rovoredo