Um homem de 31 anos começou ontem a ser jugado no Tribunal de Ponta Delgada por um crime de homicídio qualificado na forma tentada e por outro de violência doméstica agravada. A vítima é a companheira com quem o arguido vivia num quarto de uma casa partilhada localizada na cidade de Ponta Delgada. O casal mantinha um relacionamento desde 2020 e mudou-se da Ribeira Grande para esta habitação em Agosto de 2022. Algum tempo depois, mais concretamente a 11 de Outubro do mesmo ano, a Polícia de Segurança Pública (PSP) foi chamada ao local para pôr cobro a uma situação que, defende o Ministério Público, só não terá tido consequências mais graves porque um dos agentes disparou um tiro para a perna do arguido quando este empunhava uma faca de cozinha na direcção da mulher.
O relacionamento ‘explosivo’ do casal, ele consumidor de estupefacientes (drogas sintéticas) e ela de álcool, estaria relacionado com os ciúmes revelados pelo arguido desde que ambos se mudaram para a já referida casa onde habitavam, maioritariamente, homens.
Centrando o relato no dia 11 de Outubro, por volta das 20 horas e quando o casal se encontrava no interior do seu quarto, o arguido, depois de consumir drogas sintéticas, disse à companheira que estava a ouvir ruídos e que um vizinho estaria a espreitar pela fechadura e a masturbar-se enquanto via a mulher. O homem de 31 anos saiu do quarto repentinamente e agrediu violentamente a soco um vizinho de 64 anos. Este indivíduo, com uma débil compleição física, foi agredido um número de vezes indeterminado enquanto a companheira do arguido lhe pedia para parar. Fruto destas agressões, o vizinho de 64 anos ficou com a face completamente desfigurada e teve de ser transportado para o HDES para receber tratamento.
Depois de ter fugido do local, o arguido terá regressado cerca de hora e meia depois. O Ministério Público dá conta de que nesse momento, e depois de discutir com a companheira, o homem terá desferido uma bofetada que projectou a mulher ao chão. No meio deste episódio encontrava-se um outro vizinho que se terá colocado à frente do arguido, impedindo assim que este continuasse as agressões. Após o sucedido, a PSP surgiu no local e o homem voltou a deixar a casa. De seguida, terão existido outras duas ocasiões em que o arguido regressou à habitação e terá injuriado e ameaçado a companheira. Até que na madrugada do dia seguinte, pelas 5h, enquanto a mulher estava no jardim a ligar para o 112, acabou por ser surpreendida pelo arguido. A ofendida conseguiu, num primeiro momento, fugir para o quarto de um vizinho mas depois do arguido ter ameaçado arrombar a porta, o casal voltou a ficar frente a frente. O arguido empunhava uma faca de cozinha e, após se ter apercebido da presença de dois agentes da PSP, terá, alega o Ministério Público, usando a mulher como escudo humano, apontando-lhe a arma ao pescoço. O homem gritava que a iria matar e quando a mulher conseguiu soltar-se, aproveitando um momento de distracção, um agente da PSP disparou para a perna esquerda do arguido.
O Ministério Público acredita que o arguido teria matado a mulher caso não existisse esta intervenção por parte da PSP.
Versão do arguido:
“Não sei o que me deu”
O arguido ouviu os factos sobre ele imputados e optou por prestar declarações em Tribunal. Sobre os ciúmes, o arguido afirmou que a mulher “por vezes não estava bem composta”, dando como exemplo o uso de um robe “com os peitos quase à mostra”. O homem disse também que “ela tinha sempre homens à volta dela” e referiu desconfiar que ela mantinha relações sexuais com vizinhos da casa e, muito concretamente, com um individuo de 64 anos.
O arguido realçou que antes dos factos em julgamento nunca tinha agredido a companheira e justificou, por várias vezes, o seu comportamento devido ao consumo das chamadas drogas sintéticas. Confrontado com a foto do vizinho de 64 anos violentamente agredido, o homem alegou não se recordar “do que tinha feito” e admitiu ter “exagerado” nas agressões.
“Não sei o que me deu”, proferiu o arguido. Questionado por um dos juízes do Colectivo, o homem admitiu que esta agressão poderá se ter iniciado sob falsos pressupostos, ou seja, fruto de um delírio resultante do consumo de drogas sintéticas.
Alegando que depois deste episódio não tinha intenção de agredir na companheira, o arguido afirmou não se recordar de quando, nem como ficou na posse da faca de cozinha.
Reforçando que a sua única intenção era apenas conversar com a companheira, o arguido recusou ter usado a companheira como escudo humano.
“Tenho noção daquilo que fiz”, referiu a chorar.
Testemunho da vítima:
“Ele dizia que me matava”
Importante no apuramento dos factos neste processo, será naturalmente o testemunho da companheira deste arguido. A mulher que prestou declarações em Tribunal, sem a presença do arguido na sala, começou por confirmar que este “tinha ciúmes” e dizia-lhe para que não vestisse certo tipo de roupas.
“Chamava-me nomes. Ele era agressivo”, revelou depois a mulher.
Relativamente à agressão sobre o vizinho de ambos (o homem de 64 anos), a companheira do arguido confirmou que ambos estavam deitados no quarto mas que “não ouvi barulho nenhum”. Esta testemunha contou que, vendo a violência dos socos aplicados sobre o vizinho, pedia ao companheiro para parar a agressão: “Vais desgraçar a tua vida”, gritava-lhe.
Revelando que a Polócia foi chamada por uma vizinha, a mulher contou depois que contactou o irmão mais velho do arguido para explicar o que se tinha passado. Este conseguiu, no momento em que o companheiro regressou a casa pela primeira vez, retirá-lo. Mais tarde, a mulher, que se tinha refugiado num outro quarto, confirmou ter sido agredida a soco pelo companheiro. Um vizinho que se encontrava no local interveio e só nova presença da PSP (a segunda) determinou que o arguido voltasse, de novo, a abandonar a habitação.
Finalmente, de madrugada, quando estava ao telefone com o 112, a mulher refere ter sido surpreendia pelo arguido que a atirou ao chão e deu-lhe “bofetadas”. Depois de ter sido obrigada a abrir a porta do quarto onde se tinha refugiado, a mulher revela que o companheiro tinha “a faca” em sua posse e que “mal viu a Polícia”, puxou-a e apontou a arma para si. Após os agentes da PSP terem ordenado várias vezes que o homem largasse a arma, a mulher revela ter conseguido rasgar a sua roupa para se soltar do arguido, antes de uma agente da PSP ter disparado sobre a perna esquerda do homem de 31 anos.
“Ele dizia que me matava se a Polícia subisse”, concluiu a antiga companheira do arguido.
Luís Lobão