1- De quando em vez, os governos lembram-se de passar os olhos pela política de habitação quando a matéria começa a ser escaldante, devido ao crescente aumento da procura de habitações disponíveis para compra e para arrendamento, face à oferta que o mercado oferece. As razões para esse desequilíbrio são várias e não se resolvem com “Programas” feitos à pressa para tapar a ineficácia dos governos que se concentram em políticas que estão na moda, como, por exemplo, a digitalização, a Inteligência Artificial, a transição energética, esquecendo o direito constitucional que declara que «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
2- “O direito constitucional à habitação, como outros direitos sociais — segurança social, saúde, ambiente — tem uma vertente negativa (ninguém pode ser arbitrariamente privado da habitação ou impedido de a conseguir) e uma positiva (direito à existência de medidas do Estado que promovam na prática o direito).”
3- Isso implica que o Estado ou a Região devem praticar uma política de habitação escorada em planos de ordenamento territorial e em planos de urbanização que garantem bons acessos e meios de transporte, em cooperação com o poder municipal.
4- É preciso desafogar as cidades e apostar na construção de habitações em várias freguesias dos concelhos, dando-lhes vida e aproveitando os espaços que se podem transformar em zonas habitacionais através da criação de Cooperativas de Habitação, e programas de construção a preços controlados acordados entre os governos, as empresas construtoras e a banca que financia. Além disso, é de dinamizar os apoios à autoconstrução para casais jovens, projectos que se encontram espalhados pelas várias cidades e freguesias dos Açores construídos desde os finais das décadas de setenta, oitenta e noventa, e que estão a ser retomados, e bem, pelo Governo Regional.
5- Vamos aguardar como serão as leis que o Governo de António Costa vai apresentar, mas sobre o “Programa Mais Habitação”, o Presidente da República disse que só poderá ter “uma ideia clara” quando “perceber em pormenor” cada uma das medidas que são propostas. Olhando para o pacote, recorreu a uma fábula dizendo que “o povo costuma dizer só se sabe se o melão é bom depois de o abrir. É preciso abrir o melão”. O que nos parece é que as medidas anunciadas pela República são uma teia que vai enrolar o próprio Governo.
6- O “Programa Mais Habitação” vai ser mais um Programa da discórdia, e peca por assentar em legislação que existe e em nova legislação que vai acorrentar todos os que vivem e trabalham no sector habitacional, quando devia ser um momento para limpar a burocracia que está a minar todo o sector.
7- As leis que estão anunciadas são destinadas à República e, tal como já foi anunciado, pelo Governo Regional, não se aplicam aos Açores. Porém, convém fazer o levantamento do que existe na Região e comparar com o que está para ser debatido na Assembleia da República.
8- As medidas esboçadas pelo Governo de António Costa, por terem deixado fora da sua elaboração os donos das casas, os Municípios e até mesmo o povo anónimo, mas interessado na matéria, levam-nos a citar o que disse Jacques Rousseau sobre a sociedade: “O homem nasce livre e por toda parte se encontra acorrentado”. Dessa forma Rousseau pretendia condenar aqueles que acorrentam e aprisionam o homem, como fazem os governos para imporem o que acham melhor para o povo, sem consultarem antes o povo.
9- Entretanto, a Comissão eventual para a revisão da Constituição já teve a primeira reunião na Assembleia da República e sem se adivinhar qual será o seu desfecho. Porém, é de lembrar que se encontra desde 2015 em elaboração e discussão na Assembleia Legislativa, na Comissão para o Aprofundamento da Autonomia, uma proposta que está à espera de consenso que falta para aprovar a proposta final que inclui matéria a considerar na revisão da Constituição.
10- Ora, será imperdoável se não houver uma maioria qualificada na Região que dê por terminado o trabalho e que envie o que for devido para incluir na revisão constitucional que está a começar.
Américo Natalino Viveiros