Dia Mundial da Baleia é comemorado hoje em todo o mundo

Investigador José Azevedo baseia-se na História para afirmar que os mares dos Açores com menos baleias e golfinhos teria menos peixe

 Correio dos Açores - O arquipélago dos Açores foi certificado como Sítio Património das Baleias. O que representa esta certificação e qual a sua importância?
José Azevedo (Docente no Departamento de Biologia da Universidade dos Açores) -  Esta certificação é mais uma nota de reconhecimento da importância dos cetáceos para a sociedade açoriana, a qual teve como pontos altos a caça do cachalote nos séculos XIX e XX, e o turismo de observação de cetáceos actualmente. Ter os Açores reconhecidos como Whale Heritage Site tem o efeito imediato de aumentar a visibilidade internacional do arquipélago, desde logo na área do turismo. No entanto, a razão pela qual um conjunto grande de elementos da sociedade civil se empenharam tanto nesta candidatura foi a visão de que esta pode ser a linha de união de um conjunto de iniciativas destinadas a aprofundar o conhecimento sobre os cetáceos e a celebrar a crescente sustentabilidade da nossa relação com esses animais. É nossa intenção que iniciativas culturais e científicas, mas também investimentos turísticos e medidas de regulação governamental, tenham como tema comum valorizar e enriquecer o nosso património histórico e social de interacção com baleias e golfinhos.

Que relevância atribui ao Dia Mundial da Baleia?  
Estes dias servem para proporcionar um momento de reflexão sobre o tema, colocando-o na agenda. A meu ver, mesmo que seja apenas por um dia, já vale a pena.

Que espécies de cetáceos são residentes nos Açores e quais os que passam apenas durante a migração?  
Há animais residentes, ou seja, que são vistos com frequência ao longo do ano e durante vários anos. Há, por exemplo, um cachalote macho, chamado “Mr. Liable” que há muitos anos é avistado frequentemente ao largo de várias ilhas do arquipélago. Mesmo que os animais individuais se movam muito, há espécies que estão sempre presentes, e possam assim ser também consideradas residentes. É o caso dos cachalotes, claro, mas também de várias espécies de golfinhos, como o golfinho comum, o roaz, ou os golfinhos de risso.
Depois, há espécies que utilizam as nossas águas de outros modos. Há as que passam aqui durante as suas migrações periódicas (as baleias de barbas, como a baleia azul, a baleia comum ou a sardinheira); outras só cá estão no Verão, como os golfinhos pintados ou, crescentemente, as baleias piloto; e, finalmente, outras aparecem de vez em quando, sem uma periodicidade definida, como é o caso das orcas.

Existem baleias e golfinhos “a mais” a passar no mar dos Açores que ponham em causa a sustentabilidade de outras espécies? O facto é que o cidadão comum começa a relacionar a carência de determinadas espécies nos mares dos Açores com a existência de demasiados predadores como baleias, golfinhos, tubarões…
A ideia de que pode haver predadores “a mais” ainda faz, infelizmente, parte do senso comum, embora não tenha absolutamente base nenhuma, nem científica nem histórica. Pelo contrário, a ciência demonstra como os predadores de topo são necessários ao equilíbrio dos ecossistemas, e como a sua remoção resulta muitas vezes em reduções da abundância das suas presas. E basta ler relatos antigos para perceber que ter muitos predadores não é incompatível com uma grande abundância de presas. Eu gosto particularmente dos relatos de Gaspar Frutuoso, nas Saudades da Terra. No início da colonização dos Açores, quando existiriam certamente tantos ou mais golfinhos do que existem hoje, é impressionante ler relatos como este: “O pescado de toda a sorte, chernes, peixe escolar, peixe galo, crongos, gatas, gorazes, pargos, garoupas, abróteas, sargos, salmonetes e outras sortes, lagostas, lagostins e cavacos, muito dele era tanto nesta terra, que do porto de Santa Eiria levavam seves (sic) cheias em carros carregados dele à vila da Ribeira Grande.” A falta de peixe é real, mas os culpados não são os golfinhos ou as baleias, mas sim o nosso próprio excesso de pesca.

Reconhecendo o valor económico da actividade da observação de baleia e golfinhos, com tendência a aumentar, não se poderá chegar a um ponto de saturação? Está-se a chegar a um ponto de massificação de embarcações e de turistas sobre as baleias no mar dos Açores sem que haja regras que sejam cumpridas e fiscalizadas?
Em primeiro lugar, preciso deixar bem claro que os Açores são excepcionais a nível internacional: a actividade de observação de cetáceos é regulada por legislação clara, elaborada com base nos melhores critérios científicos e respeitada pelas empresas. As empresas têm pessoal qualificado, muitas vezes com formação superior, e estão equipadas com barcos seguros e confortáveis. As autoridades têm meios de fiscalização, e exercem-na a vários níveis.
Claro que, num contexto capitalista que exige um crescimento contínuo, surgirão conflitos com o meio natural que, por seu lado, exige estabilidade. Penso que a sociedade açoriana se inclina para um turismo individualizado, de baixa intensidade, mas que há pressões económicas muito fortes para a massificação. Este é um debate político, antes de ser ecológico. Não serão as baleias ou os golfinhos a impor-nos limites, temos que ser nós a decidir quais eles devem ser.

O abalroamento de baleias constitui um problema grave actualmente. Em que dimensão isto ocorre e, na sua opinião, como se pode evitar este problema?  
 Temos tido alguns casos de abalroamento nos Açores, mas relativamente poucos, comparados com outras regiões. Existem estudos em curso neste momento para conhecer as zonas e os períodos de maior concentração das espécies afectadas, de modo a poder aconselhar os navios.

Por que motivo os cachalotes são considerados a espécie icónica dos Açores? Em que altura estes animais acasalam e qual o tempo de gestação?  
Os nossos avós chamavam baleia ao cachalote, e durante mais de um século essas “baleias” foram uma componente importante do dia a dia nos Açores: eram uma fonte de rendimento para baleeiros e trabalhadores nas fábricas, mas chegavam a toda a gente como fonte de luz e até como matéria prima. Hoje, os cachalotes continuam a representar a Região por serem a espécie mais avistada por milhares de turistas que nos visitam.
As fêmeas vivem na Região dos Açores durante todo o ano, criando os bebés cachalotes em grupos matriarcais. Estes grupos, formados por uma fêmea líder e as suas irmãs e netas, tomam conta das crias enquanto as mães fazem mergulhos de quase uma hora para se alimentarem a grandes profundidades. A gestação dura 14-16 meses, e as crias são amamentadas durante vários anos. Não parece haver uma época de acasalamento, o qual ocorre durante as visitas que machos solitários fazem aos grupos de fêmeas.

Os Açores são reconhecidos como um dos melhores lugares do mundo para encontrar baleias azuis. Esta espécie foi considerada em vias de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza. Qual o ponto de situação desta espécie actualmente?   
A baleia azul está em recuperação, felizmente, embora ainda seja classificada como ameaçada. Estima-se que no século passado tenham sido mortas entre 15 e 20 mil baleias azuis no Atlântico Norte, pelo que a população actual de cerca de mil animais está muito longe dos níveis que tinha antes do início da caça industrial.

Considera que as baleias precisam de protecção hoje mais do que nunca?  
A protecção que existe é boa e deve ser mantida ou melhorada. Sabemos hoje que as baleias têm um papel crucial na produtividade do oceano, ao transportar nutrientes do fundo para a superfície. À medida que o número de baleias continuar a aumentar, vai aumentar também a concentração do fitoplâncton que é base da cadeia alimentar oceânica, suportando as sardinhas e os chicharros que por sua vez alimentam atuns e tubarões- e também os golfinhos. Ao mesmo tempo, essas algas microscópicas captarão cada vez mais CO2, ajudando a reduzir o aquecimento global. Um oceano repleto de baleias é um oceano saudável, essencial para um planeta saudável.

Que mensagem quer deixar neste dia?
O nosso sistema económico tem repetidamente colocado as pessoas contra os ecossistemas, como se isso fosse inevitável. Mas hoje sabemos que a sociedade ideal é aquela que respeita os limites naturais ao mesmo tempo que proporciona boas condições de vida a todas as pessoas. E sabemos que essa sociedade é possível, desde que o objectivo da economia deixe de ser o crescimento cego, colocando o lucro acima de tudo.
Esta Primavera, quando avistarmos as majestosas baleias azuis no seu caminho anual em direcção ao Árctico, ou quando, no Verão, virmos a cauda de um cachalote a mergulhar para se alimentar a mais de 1 Km de profundidade, pensemos que se pudemos controlar o sistema económico para deixarmos de matar esses animais, também o podemos controlar para eliminar a pobreza e permitir o pleno desenvolvimento de cada ser humano.            

Carlota Pimentel

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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