Docente de Artes Visuais, Alexandra Baptista, curadora da exposição

Vinte e três obras de dez artistas locais vão estar em exposição a partir de hoje no Centro Municipal de Cultura de Ponta Delgada

A partir de hoje e até 30 de Março, o Centro Municipal de Cultura de Ponta Delgada vai ter patente a exposição “No Feminino”, que reúne 23 obras de 10 artistas nascidos entre 1960 e 1980. A exposição é de entrada gratuita, podendo ser apreciada de Segunda a Sexta-feira das 9h às 19h, e Sábado 14h às 17h.
Alexandra Baptista, formada em Artes Plásticas – Pintura e professora de Artes Visuais, é a curadora da exposição.

Como surgiu a exposição “No Feminino”?
Alexandra Baptista (Curadora da exposição) - Esta exposição foi resultante de um convite que me foi dirigido pelo Centro Municipal de Cultura. Fui convidada a fazer uma curadoria, num curto espaço de tempo, e incumbiram-me de escolher alguns artistas, nascidos entre 1960 e 1980.  Confesso que, inicialmente, fiquei em pânico, uma vez que tinha pouco tempo para organizar este trabalho.
Primeiramente ocorreu-me organizar uma exposição que se ligasse através do desenho e surgiu-me o nome da artista Maria José Cavaco que, infelizmente, já não está entre nós.
A partir daí, fui criando relações que me pareceram lógicas em termos estéticos, formais e até de época, culminando na escolha de 10 artistas, designadamente Filipe Franco, Isabel Silva Melo, Leonor Almeida Pereira, Maria José Cavaco, Nina Medeiros, Paula Mota, Rroze Selavy, Sofia de Medeiros, Urbano Resendes e Victor Almeida. A meu ver, estes são nomes incontornáveis da nossa geografia artística, do contexto regional.

Por que motivo escolheu designar a exposição “No Feminino”?
A escolha do nome foi intencional, sendo que se relaciona com a lógica e a expressão das pessoas que eu tinha encontrado e que queria juntar no mesmo espaço.
A ideia tem como base uma noção de feminino plural. Ou seja, não é por ser mulher ou homem que faz parte deste trabalho, ou por ser uma representação exclusiva do feminino. Julgo que, no todo, encontramos o que se procura verdadeiramente no conceito e na ideia de feminino, que é muito mais abrangente e está ligada a todas as coisas.

É uma mostra com diferentes linguagens artísticas, quais são?
Do abstracto ao realismo, esta mostra junta diferentes linguagens artísticas, num único espaço. A exposição acabou por não se resumir ao desenho como forma de expressão, embora, na minha opinião, todas as obras tenham uma forte componente neste domínio, à excepção de Isabel Silva Melo, que se conjuga mais através da cerâmica e da escultura.
Por exemplo, as peças de Filipe Franco são inquestionavelmente estruturadas a partir de um desenho e de uma morfologia que não só é feminina, como quase se assume como tal. Do meu ponto de vista gráfico, a forma como as sombras se projectam e são desenhadas, e acompanham a própria forma no espaço, são sinal disso.  
Apesar de haver um tema que liga várias formas, concretas ou mais abstractas, há uma perspectiva multidisciplinar em todas as salas do Centro Municipal de Cultura.
Na exposição patente neste espaço, é possível encontrar desenho, colagem, escultura, entre outras. Há, ainda, uma instalação que recorre à multimédia, da responsabilidade de Nina Medeiros e a pintura surge ligando algumas das respostas gráficas ou formais. Isto é, há um conjunto de trabalhos que não se encerra numa técnica, ligadas pelo feminino. Seja homem ou mulher, o tema acaba por fazer aparecer uma série de técnicas e de disciplinas que interagem umas com as outras.
Além disso, Sofia de Medeiros tem uma peça onde utiliza uma espécie de arte artesanal do bordado e acaba por acomodá-la como sendo uma instalação artística. Este trabalho, não se definindo como escultura também, leva-nos aos domínios mais ligados ao feminino, pela sua prática. A peça de Sofia Medeiros acaba por, de alguma forma, fazer uma abertura para as restantes peças na exposição.  

Que dificuldades sentiu ao montar a exposição?
Inicialmente pensei que não fosse possível preparar a exposição no espaço de um mês. Além disso, a dificuldade prendia-se com o espaço, visto que são três salas muito diferentes que podem, muitas vezes, levar a alguns problemas em termos de exposição. Para mim, a dificuldade era expor tantas pessoas sem que elas colidissem umas com as outras. Tendo em conta que há artistas que se apresentam apenas com uma peça, não queria que estas tivessem menos importância que as outras pessoas que se apresentam com mais trabalho. Resumindo, a dificuldade foi fazer uma mostra que fosse mais horizontal neste aspecto e que tratasse com a mesma dignidade todas as peças lá presentes.  
Importa salvaguardar um aspecto: sei que está em voga defender a ideia de que as exposições são da curadoria, contudo entendo que é importante haver um olhar modificador. Esta exposição depende, sobretudo, dos trabalhos expostos e que me foram disponibilizados para que eu pudesse colocá-los num espaço e organizá-los. Apesar de este trabalho ser organizado por mim, a exposição não é minha, mas sim daqueles 10 artistas ali representados pelas suas obras.  

O que se pretende demonstrar com esta exposição?
Pretende-se reunir um conjunto de pessoas que, normalmente, não se juntam para expor. Nos últimos tempos ouvimos falar constantemente de gente mais jovem, como se a arte contemporânea se cingisse apenas aos mais novos. Este grupo de artistas merece alguma atenção. Além disso, considero que também é importante que as pessoas façam exposições colectivas, em detrimento do individual, pois isto acaba por propor outro tipo de olhar e de reflexão. Em última instância, o que se procura é divulgar e potenciar o que o Centro Municipal da Cultura permite fazer, que passa por divulgar cultura, as artes visuais e plásticas.
 
Esta mostra reúne o trabalho de 10 artistas nascidos entre 1960 e 1980. Porquê esta faixa etária?
Esta foi a única exigência que fizeram. Calculo que a razão se prende com o facto de, anteriormente, já terem feito mostras com outros grupos etários. Nesse aspecto, julgo ter cumprido.
Ao ir buscar a Rroze Selavy, que era ligeiramente mais nova que as outras pessoas, abri um pouco o intervalo de idade, além de que me pareceu um elemento importante por vir de Santa Maria. Considerei relevante haver alguém que não estivesse em São Miguel. Embora tenha sido simbólico, o meu interesse prendeu-se em primeira instância com o trabalho dela.

Que diferenças encontra na arte das pessoas nascidas em 1960 relativamente às de 1980? A forma como olham os Açores e a arte difere?
Creio que há sempre olhares diferentes e isso depende de pessoa para pessoa, apesar de a maturidade acentuar algumas coisas.
A Rroze Selavy faz uma ponte com a Paula Mota, pela forma como os trabalhos estão expostos e pela despreocupação com a moldura. Ou seja, é algo que se prende genuinamente ao desenho. A Paula Mota acrescenta-lhe depois uma dimensão da tela e da colagem, fazendo a sobreposição destas expressões.
Penso que cada pessoa acaba por se assumir pelo seu olhar e a caligrafia na exposição é distinta de artista para artista e é muito interessante que assim seja.

Que dificuldades enfrentam os artistas nos Açores?
Podemos começar pelas condições de exposição das suas obras, em função das dimensões e dos materiais que utiliza. Isto é, o artista terá maior dificuldade se estiver a trabalhar com outras escalas e dimensões, assim como com outras formas de expor. No domínio da instalação, surgem complicações.
Além disso, as dificuldades prendem-se, ainda, com alguma falta de apoio ou de incentivo à produção artística, mas isso é histórico. Alguns artistas vivem da arte, mas outros precisam de recorrer a outras actividades profissionais, de modo a financiar aquilo que vão produzem. Porém, penso que este não é um problema da Região, mas sim transversal a todo o país.

Existe falta de união entre os artistas de São Miguel?
Neste aspecto, quanto a mim, nota-se uma grande diferença das gerações mais recentes para as mais antigas, sendo que estas viviam mais isoladas umas das outras. Embora sejam amigos, havia um maior isolamento em termos artísticos. Actualmente, os mais jovens iniciam e dão os seus primeiros passos no âmbito de colectivos, que lhes permitem depois se afirmarem de outra maneira.
Considero que, de um modo geral, com os artistas haverá mais dificuldade em criar-se um consenso, porque há uma maior dificuldade de se descentrarem de si próprios e pensarem globalmente numa determinada questão.

Como perspectiva o futuro da arte na Região?
O futuro é uma grande incógnita. Gostaria, de um modo geral, que a cultura fosse mais acessível a todas as pessoas, sem que tenha perdas de qualidade. Não defendo que se erradique nada, pois há que haver espaço para tudo, mas é fundamental que se leve às pessoas o melhor que temos. Não consigo imaginar o ser humano sem que haja expressão artística.

Há algo mais que queira acrescentar?
Agradeço aos artistas e ao Centro Municipal a confiança que depositaram em mim. À comunidade em geral, espero que visitem e que gostem da exposição, pois esta leva-nos a fazer uma viagem pela pluralidade.

Carlota Pimentel

 

Print
Autor: CA

Categorias: Regional

Tags:

Theme picker