“Cremos que este projecto inédito que duas universidades, em consórcio, pretendem realizar e concretizar na produção de conhecimento, terá grande relevância para o meio social e geográfico em que se insere e para o desenvolvimento e aprofundamento dos Estudos Insulares e Atlânticos”, afirma Paulo Fontes, da Universidade dos Açores.
Correio dos Açores - Quais os objectivos do doutoramento em Teoria Política, Relações Internacionais e Direitos Humanos?
Paulo Vitorino Fontes (Professor da Universidade dos Açores) - Com o apoio de um corpo docente com elevada competência científica e ancorada na sólida experiência de investigação inserida em Centros de Investigação de Excelência, este doutoramento visa desenvolver um profundo conhecimento teórico que, de forma versátil e transdisciplinar, impulsione o desenvolvimento de análises críticas, que representem um contributo inovador e consistente na investigação a nível nacional e internacional. Espera-se que os discentes desenvolvam competências num sentido culturalista, densificando os conhecimentos metodológicos e teóricos de duas subáreas onde existe um conjunto muito vasto de diplomas e convenções internacionais que necessitam de especialistas que correspondam às necessidades de uma sua aplicação e interpretação correctas.
Pretende-se contribuir para a investigação avançada de que as sociedades complexas tanto necessitam para enfrentar o seu destino, afinal, comum. É também um contributo para o desenvolvimento de uma nova geração de especialistas portugueses em ciências políticas aptos para uma compreensão extensa e intensa, original e inovadora, dos valores de um mundo comum de que Portugal e a Europa devem ser portadores no século XXI.
Que relevância tem este curso para a Universidade dos Açores e qual a importância que atribui à parceria com a Universidade de Évora?
Esta parceria da Universidade dos Açores com a Universidade de Évora revela-se fundamental para ampliar as capacidades de duas universidades de pequena e média dimensão no panorama nacional, e que juntas são mais fortes e conseguem completar ao mais alto nível as suas fileiras de ensino. Destacamos a importância e significado deste programa de 3.º ciclo como corolário dos ciclos de estudo oferecidos pela área de Ciência Política. No caso da Universidade dos Açores, a licenciatura em Estudos Europeus e o mestrado em Relações Internacionais: o Espaço Euro-Atlântico. Cremos que este projecto inédito que duas universidades, em consórcio, pretendem realizar e concretizar na produção de conhecimento, terá grande relevância para o meio social e geográfico em que se insere e para o desenvolvimento e aprofundamento dos Estudos Insulares e Atlânticos.
Quais os temas que este curso de douto-
ramento vai versar?
Este doutoramento vem culminar fileiras de ensino de licenciatura e mestrado no âmbito da área de formação em Ciência Política e Cidadania (área 313 do CNAEF), que abarca um conjunto de subtemas de suma importância no mundo em que vivemos, tais como os direitos humanos, os desafios que se colocam aos sistemas políticos, ao sistema internacional, à paz e à guerra, co-implicações a que obriga uma globalização em grande medida desregrada, que provoca dificuldades nos relacionamentos entre unidades políticas, povos e culturas.
Biopolítica e Direitos Humanos, Direito Internacional dos Direitos Humanos, Geopolítica e Ordem Mundial fazem parte do plano de estudos deste programa de doutoramento que permite enveredar pelas áreas da docência, da investigação científica, da consultadoria especializada em organismos e instituições europeias e internacionais, funcionalismo superior do Estado, thinktanks, ou junto de organismos especializados em políticas públicas, permitindo ainda seguir a área da diplomacia ou trabalhar em Organizações Não Governamentais.
Que síntese faz do doutoramento?
O doutoramento em Teoria Política, Relações Internacionais e Direitos Humanos, recém-criado em parceria pelas universidades de Évora e dos Açores, distingue-se pela centralidade que dá às questões da cidadania e direitos humanos, contextualizadas no sistema internacional, áreas que assumem crescente relevância na conjuntura actual. Nele convergem professores e investigadores de ambas as universidades, integrados em centros de investigação muito bem avaliados, com simultâneas experiências e juventude.
Julgo ser uma oportunidade, tanto para as mui nobres Universidades dos Açores e de Évora de potenciarem as suas capacidades, como para quem irá usufruir deste nível de ensino, de se capacitar de uma forma completa na área da ciência política, potenciando o desenvolvimento nas suas regiões. Pois, numa Região Autónoma que se governa a si própria, como a nossa, e face aos desafios locais e globais que se avolumam, é fundamental aceder ao conhecimento avançado nesta área científica.
Que opinião tem sobre a invasão russa da Ucrânia?
De uma forma sintética, destaco que temos uma guerra na Europa com implicações globais, mais uma vez, algo muito perigoso para a segurança de todos nós. De certa forma, a invasão russa da Ucrânia seria algo pouco provável, principalmente depois da era Gorbatchov. No entanto, assistimos a um retrocesso político enorme dos sistemas democráticos sob pressão de antigos e novos imperialismos e totalitarismos, muitas vezes disfarçados de novos populismos. Para além das questões geopolíticas desta invasão e guerra da Ucrânia, devemos nos interrogar mais fundo, pois é a nossa civilização europeia democrática que está em causa. Daí a total centralidade europeia que esta guerra assume, não só geográfica como civilizacional.
Como se poderia salvaguardar os direitos humanos num conflito como aquele a que se assiste entre russos e ucranianos?
Em estado de guerra dificilmente se conseguiu até hoje salvaguardar os direitos humanos. No entanto, a acção e a presença das Nações Unidas contribuirão para esse desígnio. Sabemos que a justiça demora, e que muitas vezes enfrenta dificuldades, mas esperamos que as tremendas injustiças causadas por esta guerra sejam julgadas, e de certa forma remediadas, um dia, não muito longe, no Tribunal Penal Internacional.
Em que dimensão as indecisões do Ocidente em assumir uma postura de maior firmeza em defesa da Ucrânia põem em causa os direitos humanos naquele país?
O que pode ser visto como indecisões do ocidente, na minha opinião, também são cautelas. Pois, para evitar a possível guerra nuclear entre a Federação Russa e outros aliados contra a maioria dos países da Europa sob a égide da NATO é fundamental manter todo um conjunto de cuidados e de retórica assente no direito de autodefesa. É por esta via que se tem legitimado toda a ajuda dada à Ucrânia, em que inclusive as armas cedidas são armas de defesa e não de ataque, pelo menos na sua concepção e designação.
O foco no conflito na Ucrânia desvia as atenções de outros países onde são, constantemente, postos em causa os direitos humanos. Que análise faz?
Por um lado, justifica-se este foco na guerra na Ucrânia, pelas razões que já indiquei, mas, por outro lado, proliferam guerras e conflitos pelo mundo de uma forma crescente e que não têm muitas vezes a atenção devida. O nosso tempo, principalmente neste início de século XXI, parece cada vez mais caótico, inseguro e imprevisto. O sistema económico está cada vez mais desequilibrado entre ricos e pobres, quer entre países, quer no seu interior, aumentando a desigualdade nas suas populações. Esta grande tensão social, que pode conduzir a novos movimentos sociais ou até revoluções, agravada pela crise ambiental, que é também social e civilizacional, alimenta novos populismos e traz-nos grande incerteza quanto ao nosso futuro colectivo.
Estão também em causa os direitos humanos em Portugal e, com maior visibilidade nos Açores, quando é significativo o número de residentes que vivem nas margens da economia e da sociedade.
Os Açores têm corrigido o seu atraso estrutural no âmbito do seu percurso de integração europeia. No entanto, subsistem indicadores, nomeadamente ao nível da pobreza e da educação, que nos devem preocupar e mobilizar. A governação local está sujeita aos fluxos do sistema mundial, e este, sendo cada vez mais desequilibrado, agrava os problemas locais e dificulta a tarefa da governação. Cada vez mais os problemas locais necessitam de uma resolução global, daí a importância do reforço da nossa participação nos circuitos do poder global, que no nosso caso, deverá ser feito principalmente nas instituições europeias.
Carlota Pimentel