No Jardim Padre Sena Freitas, bem no centro da cidade de Ponta Delgada, o presépio montado pela Casa dos Manaias tem servido como local de pernoita para algumas pessoas sem-abrigo durante esta época natalícia. As ‘casas’ em miniatura eram prova disso mesmo e os caixotes, papelões, sacos e algum lixo iam-se acumulando, tal como comprovam as fotos do Correio dos Açores. Durante a tarde de ontem, o nosso jornal deslocou-se a este Jardim emblemático de Ponta Delgada e encontrou o local limpo destes vestígios.
Nas proximidades, encontramos umas das pessoas que utilizou este espaço nos últimos dias. Com 36 anos de idade, ‘José’ (nome fictício) é toxicodependente há já alguns anos e encontra-se presentemente em situação de sem-abrigo.
“Já não estou a dormir naquelas casinhas dos Manaias. Um homem tem de estar sempre de olho aberto. Há problemas e é só trafulhas que andam ali”, justifica.
A conversa com o Correio dos Açores vai-se desenrolando e o homem, quase sempre com lágrimas nos olhos, demonstra a sua angústia face à situação em que se encontra presentemente.
“Por mim desaparecia desde mundo de vez”, afirma com vergonha.
‘José’ é oriundo de uma família numerosa e, dos progenitores, apenas a mãe é ainda viva. Dos seus muitos irmãos, dois ainda habitam com a mãe, “mas eles tratam-na bastante mal”, acusa.
A família é um dos temas dominantes desta conversa com ‘José’ a dizer que “se tivesse uma família que me apoiasse, saía deste inferno em que estou”, refere antes de lembrar que, para além da vergonha que sentem pela sua condição, “tive um que já me negou comida três vezes. Não se faz”, diz desgostoso.
“Não sei porque é que as pessoas querem o meu mal”, atira em lágrimas.
A vida, diz ‘José’, não foi fácil desde muito cedo.
“Durante a minha infância o meu pai batia muito na minha mãe. Tive uma infância muito difícil e envolvida em violência. Ele tratava muito mal a minha mãe e vi isso desde pequenino”, lembra.
O vício das drogas e a necessidade de obter dinheiro para os seus consumos, conduziram-no à prisão há uns anos atrás.
“Já estive preso 8 anos. Salvei o meu irmão da cadeia e paguei por tudo. Estive lá por roubos e cumpri os 8 anos até ao fim”, destaca, antes de contar que este também é um destino comum a outros familiares.
“Tenho um irmão que apanhou 10 anos e depois mais 10. Há outro que apanhou 6 anos e agora levou mais 6 anos e meio”, afirma.
Admitindo que ultimamente tem vivido “sempre com medo e sempre com um pé atrás”, ‘José’ refere que há quem lhe queira fazer mal.
“Já não durmo bem desde a noite de Natal. Nosso Senhor é que sabe por aquilo que tenho passado”, realça.
Sobre a situação que se vive na cidade de Ponta Delgada, ‘José’ diz que “isso está cheio dessa porcaria”, referindo-se em concreto às chamadas drogas sintéticas.
“Está aí um grupo que não é fácil e se me puderem limpar a folha, limpam sem problema (…) Mais de 50% dessas pessoas que dormem aí na rua estão ‘à sintética’”, destaca.
Avançando que “um pacote pode ser comprado por 10 euros”, o homem atira que “isto não é vida para mim” e afirma que gostava de mudar de rumo e deixar a droga “este ano”.
‘José’ revela ainda que vai “dormindo por aí” e diz, apesar de nunca justificar as razões para isso, que não “quero ir para aquele sítio lá em cima, em Santa Clara” (Edifício da Associação Novo Dia). Este homem refere igualmente que “não precisamos só de comida” e elogia o apoio que tem recebido do Reitor do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres
“É um homem bom e ajuda muito. É mais do que um pai para mim”, afirma com emoção.
‘José’ lamenta ainda as atitudes de pessoas que, quando se cruzam consigo, “desviam-se e desprezam-me”.
Este homem termina a conversa praticamente da mesma forma como a iniciou.
“Sou sincero…cada vez me importo menos com a minha vida”, revela este sem-abrigo na cidade de Ponta Delgada.
Luís Lobão