Correio dos Açores - São Miguel é, de alguma forma, prejudicado com o facto de não haver, no novo sistema, uma ligação directa por cabo de fibra óptica entre o continente e a ilha?
Pedro Batista (Director Regional das Comunicações e da Transição Digital) - No projecto a que tivemos acesso e a que, de alguma maneira, fomos chamados a contribuir até Abril de 2021 e que agora foi tornado público, em momento algum São Miguel é prejudicado, antes pelo contrário. Esta argumentação é bacoca e enraizada num bairrismo que pensei que já não existisse nas nossas ilhas, porque os Açores ficam bastante mais bem servidos com esta solução que será implementada, uma vez que, quer São Miguel, quer a ilha Terceira, ficam ligados directamente ao anel CAM – o anel de fibra óptica de cabos submarinos que abrange continente, Açores e Madeira.
A solução actual tinha só um par de fibra óptica nestes cabos que amarravam exactamente no mesmo ponto, e penso que facilmente se percebe que, numa região com riscos sísmicos e vulcânicos como a nossa, qualquer acidente ou desastre que haja numa amarração, isola os Açores do resto do mundo. A nova solução, prevê uma amarração na Terceira e outra em São Miguel, sendo que o cabo entre Terceira e São Miguel, que já é um segmento do anel inter-ilhas, fica também contemplado nesse anel.
Portanto, para a Região como um todo, é uma solução muito melhor, mais resiliente e bem mais de acordo com aquele que é o desejo dos Açores de ter várias redundâncias, neste caso pelo menos duas, na ligação ao resto do mundo, que se faz através da Madeira e através de Lisboa. A ligação mais utilizada, de serviço, será a directa a Lisboa, Lisboa-Terceira e Terceira-São Miguel, sem que isso envolva qualquer tipo de constrangimento para São Miguel. Aí temos uma ligação de back-up, que é que existe entre São Miguel e Madeira, Madeira e continente, sendo que a Madeira terá dois pontos de saída, o cabo novo e o EllaLink. No continente, pela primeira vez também, este anel CAM amarra em duas geografias distintas, um em Sines e outro em Carcavelos, pelo que, havendo algum acidente em Carcavelos ou em Sines, nós temos sempre uma redundância, coisa que não se passava até agora. Portanto, não compreendo de forma alguma a argumentação que surgiu recentemente de que São Miguel é prejudicado. Pelo contrário.
Até agora, a nossa solução que está em serviço envolvia três segmentos de cabo através de um cabo internacional, o Colombus III, pois havia um segmento São Miguel-Colombus III com outro segmento para ligação a Lisboa e passamos a ter dois segmentos.
Além disso, toda a tipologia de cabos de nova geração permite uma melhoria em termos de débitos. Ou seja, até agora tínhamos 135 Gbps (Gigabits) por segundo até Lisboa e vamos passar a ter 3.6 Tbps (Terabits), o que representa um acréscimo muito, muito assinalável. Também baixam as latências porque são cabos novos e porque só temos um ponto, quer de um lado, quer do outro, no caso da Madeira e da Terceira, e toda a solução vai servir bastante melhor os Açores, quanto a isso não há a mínima dúvida. Embora tenha sido um processo liderado – como deveria de ser – pela República, embora tenha conhecido atrasos que nos são alheios e com os quais nos preocupamos, a verdade é que a solução é bastante melhor do que aquela que existe actualmente.
Mesmo que a ligação dos cabos submarinos não seja directa com São Miguel, espera-se que a competitividade aumente no arquipélago graças a este investimento?
A ligação é directa. O facto de passar pela ilha Terceira não é significativo. (…) Quer na Terceira, quer em São Miguel ficamos com mais cinco pares de fibras vagos que vão poder amarrar cabos transatlânticos que queiram fazer a sua amarração à Europa nestes dois pontos avançados no meio do Atlântico, pois a Madeira será o terceiro ponto avançado de conectividade com a Europa. Passamos de uma fibra para seis pares de fibras, e temos a oportunidade de nos constituirmos como pontos de conectividade da Europa avançados que permitem aos cabos transatlânticos amarrar directamente nos Açores em vez de fazer mais cerca de 1.850 quilómetros até ao continente português.
Neste ponto de vista, também se abrem possibilidades que até agora não tínhamos e que considero que são bastante importantes para o nosso desenvolvimento e para a nossa competitividade. Acresce a isso que ficamos com um segmento do anel inter-ilhas, aquele que terá maior tráfego, entre Terceira e São Miguel, também já acautelado. Para além do anel existente, para além das redundâncias que existem da ligação de fibra óptica inter-ilhas, nós ficamos com mais uma, garantindo também que a gestão, quer do tráfego internacional quer do tráfego nacional, é garantida para as duas maiores ilhas dos Açores, Terceira e São Miguel, e gerida por um operador que será a IP Telecom, e isso também nos dá outro tipo de garantias que queríamos ver consideradas neste projecto.
Considera, então, que esta estratégia está longe de ser um “erro histórico”?
Sim, para nós é um salto histórico. É um salto tecnológico histórico para os Açores. Com dificuldade me deparei com esse tipo de observação e de crítica. Não é uma situação que nos preocupe, pelo contrário, foi uma exigência, pois não sendo possível considerar o anel inter-ilhas neste projecto neste momento, exigimos que fossem consideradas pelo menos duas amarrações nos Açores. Isso foi contemplado e, havendo uma catástrofe na Terceira, São Miguel continua a ter conectividade através do anel inter-ilhas, bem como todos os Açores, e a Terceira também, com outras redundâncias de entrada no anel inter-ilhas ou, havendo o compromisso de um anel CAM na Terceira, nós continuamos a ter acesso ao anel através de São Miguel.
Esta é uma situação que não existe aos dias de hoje, porque havendo um problema na amarração em São Miguel nós perdíamos o contacto com o resto do mundo, e isso não pode acontecer de maneira nenhuma. Nesse ponto de vista, sobre o acréscimo de capacidade de tráfego, a disponibilidade de mais pares de fibra, penso que em toda a linha este é um projecto substancialmente melhor do que o que existia até agora.
É, também, uma situação urgente...
Quanto à sua urgência, nós já estamos a alertar há muito tempo que este é um processo que já deveria estar em curso. Já deveríamos, em 2024, contar com a nova infra-estrutura e desde 2019 que esta chamada de atenção foi feita ao Governo da República e ao Ministério, mas, de facto, houve aqui uma data de atrasos a que somos alheios, e queremos agora que o processo se desenvolva, com atraso, é verdade, mas que se garanta até a disponibilidade de uma nova infra-estrutura que a infra-estrutura actual tem a devida atenção, suporte e manutenção para que consiga garantir a conectividade dos Açores ao resto do mundo, através do Continente português, até que a nova infra-estrutura esteja finalizada e em exploração. Essa é a nossa preocupação, garantir que a nova infra-estrutura é implementada e que até lá a actual solução é capaz de garantir a conectividade que os Açores precisam para a sua vida e para o seu desenvolvimento.
Tendo em conta o que está previsto para a Madeira nesta matéria, considera que os Açores ficam em desvantagem?
O EllaLink foi uma opção que o Governo Regional da Madeira tomou, contratando essa ligação. Foi uma opção do Governo Regional madeirense ficar com mais uma ligação mas a nossa preocupação foi garantir, dentro daquela que foi a nossa participação nos grupos de trabalho desse processo, que os Açores ficassem com toda a conectividade e redundância que necessitam com a ligação.
Neste momento, nós conseguimos sair para Lisboa, quer directamente para o continente, quer através da Madeira, sendo que ao existirem duas ligações na Madeira isso faz com que nós também possamos eventualmente usufruir dessa redundância.
(…) Não me parece, de todo, que em relação à Madeira haja qualquer tipo de problema. A Madeira tem uma conectividade directa ao continente, mas tem uma conectividade mais restrita pois a largura de banda é bastante inferior no cabo EllaLink, o que acontece também em Sines, no continente, e tem também a sua conectividade de back-up através dos Açores ao continente. Esta rede, a trabalhar e a ser explorada em conjunto, garante um grande acréscimo de redundância e de capacidade aos dois arquipélagos no seu conjunto.
Joana Medeiros