Correio dos Açores - Quais as perspectivas para 2023 em termos económicos e sociais? O que vai condicionar a evolução do próximo ano em termos económicos?
Teresa Borges Tiago (Professora da Universidade dos Açores) - No actual contexto mundial efectuar previsões é um desafio, tal como se comprovou este ano. Todas as previsões efectuadas no ano passado tinham por base um cenário de recuperação pós-pandemia e, em Março, com o início do conflito armado na Ucrânia, os cenários equacionados alteraram-se. Este contexto aportou uma forte perturbação e disrupção a nível económico e social, a nível mundial, a que a Região Autónoma dos Açores não ficou alheia. Contudo, nos últimos 40 anos e de acordo com o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos intitulado “Crises na economia portuguesa”, a economia portuguesa tem sofrido crises cíclicas, às quais a economia regional não fica alheia e que têm vindo a desgastar e desacelerar a capacidade de reacção e recuperação.
Se considerarmos os cenários vigentes no último quadrimestre de 2022, onde a situação económica se deteriorou acentuadamente em toda a Europa, podemos esperar que, pelo menos, nos três primeiros trimestres de 2023 se mantenha um quadro de contracção, onde persistirá uma taxa de inflação elevada. Não nos podemos esquecer que, devido à sua proximidade geográfica com a guerra e forte dependência das importações, a União Europeia e, consequentemente, Portugal e os Açores se encontram mais expostos aos efeitos económicos negativos deste conflito. Este cenário menos favorável não reflecte apenas o contexto actual, expondo também as fragilidades que temos na Região e que se foram acumulando ao longo das últimas décadas, no que respeita à nossa forte dependência do exterior e à reduzida capacidade de atracção e retenção de capital humano especializado.
Conquanto, 2023 vai ser um ano de grandes desafios e oportunidades para o tecido empresarial, que será impelido a reequacionar algumas das suas estratégias, propostas de valor e valorização do capital humano se quiser manter uma trajectória de crescimento. Espera-se que o mercado de trabalho reaja ao abrandamento da economia, mas “permaneça resiliente”, mantendo-se uma baixa taxa de desemprego. Por seu turno, as taxas de juros continuam o seu processo de ajustamento em crescendo, o que não só condicionará a vida das organizações mais dependentes de capital alheio, mas também das famílias. Acima de tudo, este será um ano complexo para as famílias que verão o seu poder económico diminuído e que terão de ser muito mais racionais nas suas escolhas. Chamo à atenção de que a economia é formada por pessoas, para pessoas e com pessoas. Como tal, se não tentarmos ultrapassar o trilho da “desvalorização” do capital humano na Região, passando a valorizar os investimentos que as pessoas fazem na sua formação e apostando em aumentos salariais atractivos, não teremos condições de criar um ecossistema de consumo interno que possibilite a sustentação das empresas.
A execução do PRR pode amortecer a crise? De que forma?
O Plano de Recuperação e Resiliência continua a ser um instrumento decisivo para a recuperação e desenvolvimento da economia regional, apesar de apresentar um ritmo de marcha mais lento do que desejávamos, mas em tudo semelhante ao observado para a totalidade do país. Acredito, pois, que a boa execução do PRR em 2023 é determinante e poderá servir como um balão de oxigénio para a economia regional. Não nos podemos esquecer que a boa execução não depende apenas da vontade do Governo e das empresas regionais. O quadro económico actual tem acentuado a dependência regional dos mercados externos, reflectindo-se no agravamento dos preços das matérias-primas, das energias e nos constrangimentos nas cadeias de abastecimento a nível mundial. Aquando do desenho do PRR, estes constrangimentos eram muito menores, pelo que algumas das medidas desenhadas então pecam por estarem desadequadas ao quadro actual e, no caso das linhas nacionais, nem sempre considerarem até as especificidades da Região.
É inevitável uma revisão do Orçamento Regional para 2023?
O exercício de orçamentação na actual conjuntura mundial é complexo e carece de um acompanhamento dinâmico, pois a inconstância internacional poderá, em alguns casos, condicionar a capacidade de execução e, em outros, alterar as necessidades de financiamento para fazer face aos preços crescentes de alguns bens e serviços. Porém, neste momento, não se pode considerar como inevitável uma revisão do Orçamento Regional, em especial se considerarmos que a contrabalançar o previsto aumento das despesas derivadas dos aumentos dos preços e os maiores encargos com a componente social, teremos também um aumento das receitas fiscais.
É urgente uma revisão da Lei de Finanças Regionais que enquadre o pagamento pelo Estado das despesas da Saúde e da Educação nos Açores. Acredita que a revisão da lei vá por diante com esta perspectiva?
Tal como ficou patente no Seminário promovido pelo Conselho Económico e Social dos Açores, no passado mês de Fevereiro, sobre a Evolução e Futuro da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, é premente revisitar este instrumento, à semelhança do que está a ser feito na Região Autónoma da Madeira. Tal como referiu, na altura, Gualter Furtado, a Lei das Finanças Públicas Regionais funciona como um mecanismo financeiro de definição das obrigações do Estado para com as Regiões Autónomas. Porém, no seu actual formato, este instrumento não responde de forma eficaz às necessidades regionais, nem mesmo dá resposta às obrigações impostas pela própria constituição portuguesa. Por tal, é necessário proceder a uma revisão desta lei no que respeita à sua metodologia, de preferência em parceria com a Madeira, não esquecendo de introduzir, além das variáveis de convergência económica, variáveis de natureza social e demográficas que permitam dar resposta aos desafios sentidos nas diferentes ilhas no que concerne tanto à saúde, como à educação.
Está previsto que no Orçamento de Estado para 2023 haja uma verba significativa para a Universidade dos Açores (2,2 milhões de euros) que se vai estender por alguns anos. Em sua opinião, quais as prioridades da Universidade dos Açores?
A Universidade dos Açores tem como grande desafio, hoje e no futuro, ser capaz de viver de acordo com a visão que tem escrita nos seus estatutos: “contribuir para a transmissão e valorização social e económica do conhecimento e da cultura nos Açores”. Esta visão tem subjacente dar prioridade aos Açores e às carências da Região ao nível do ensino e da investigação. Como tal, creio que se deverá apostar na formação e capacitação do capital humano da Região que dê resposta às necessidades do ecossistema regional, em linha com os eixos de desenvolvimento definidos para os Açores. Deverá, também, procurar reforçar o relacionamento com o tecido empresarial, apostando na transferência da inovação e na prestação de serviços.
Estão criadas nos Açores condições para a dinamização do empreendedo-
rismo jovem? O que falta?
O apoio à dinamização do empreendedorismo jovem tem sido uma aposta clara nos Açores, nos últimos anos, que, ao nível da formação, já contemplou jovens de todas as ilhas. Logo, ao nível da formação, o balanço é muito positivo. Porém, quando se pensa em empreendedorismo não basta formar, incentivar e/ou apoiar financeiramente os jovens para o desenvolvimento de iniciativas de negócio.
É necessário alterar, acima de tudo, a mentalidade das pessoas e a atitude. Há que promover uma cultura empreendedora, auxiliando e valorizando aqueles que querem efectivamente melhorar as suas competências empreendedoras, de modo a terem capacidades de inovar e procurar soluções, quer seja com vista à criação de novos negócios, quer seja para desenvolver soluções de intraempreendedorismo, ou seja, empreendedorismo no local de trabalho.
O ensino está vocacionado na Região para criar empreendedores?
O ensino na Região tem sido redesenhado ao longo dos anos para dar resposta a este desafio. A Região até foi uma das primeiras no país a abraçar iniciativas ao nível do primeiro ciclo, pelo que acredito que se têm desenvolvido esforços ao nível do ensino para fomentar as capacidades empreendedoras. Porém, será necessário sempre dinamizar acções de capacitação para o empreendedorismo e co-criação de inovação, dirigidas tanto aos alunos, como aos professores para fomentar um ecossistema de ensino-aprendizagem empreendedor. Acredito que, neste momento, já existem condições para se começar a apostar em formações mais especializadas, como exemplo: empreendedorismo ambiental, empreendedorismo tecnológico, empreendedorismo social e, até mesmo, empreendedorismo criativo e cultural.
Acredita que os Açores podem ser aliciantes para nómadas digitais?
Neste momento, já existem muitos locais no mundo que procuram criar condições de atracção de nómadas digitais, pelo que não só temos de garantir que temos boas condições de acessibilidade à internet (condição básica), como teremos de nos diferenciar dos outros destinos com base nas características únicas e/ou potenciais da nossa Região. Neste sentido, há que apostar na garantia de uma internet de alta velocidade, barata e confiável, associada uma energia eléctrica também acessível. Um dos factores diferenciadores da Região passa pela sua localização geográfica que coloca os Açores num fuso horário muito interessante para quem trabalha, tanto com os mercados americanos, como europeus. As condições naturais e sócio demográficas das ilhas são igualmente atractivas, pois permitem o desenvolvimento de comunidades de trabalho remoto, ao mesmo tempo que facultam actividades de exterior que os desconectam do trabalho e os ligam às comunidades locais. Porém, é necessário também compreender as fragilidades destas comunidades e tentar adequar a oferta à mesma no domínio do alojamento, da saúde e das licenças de permanência no país. Os nómadas digitais podem ajudar a mitigar dois problemas coexistentes nos Açores: a desertificação de algumas ilhas e a falta de capital humano especializado no domínio tecnológico. Acredito que os Açores não só podem, como devem tentar ser atractivos para nómadas digitais.
Carlota Pimentel