6 de dezembro de 2022

Opinião

Clarificando posições sobre a Autonomia dos Açores (4)

 Alterei o título da presente crónica, por necessidades informáticas, mas a substância é a das anteriores sobre esta matéria.
Ao contrário do que tem sido dito e até escrito, a Autonomia Constitucional não caiu do céu, seguindo-se apressadamente a campanha para a formação dos novos Autonomistas... Houve uma verdadeira campanha, intensamente participada, para a divulgação do projecto correspondente , durante todo o período que antecedeu as eleições para a Assembleia Constituinte, as quais tiveram lugar em 25 de Abril de 1975 e que tenho qualificado, com plena justificação, como as primeiras eleições verdadeiramente democráticas da História de Portugal!
Esses foram tempos de intenso debate político! Muito oportunamente, veio Pedro Gomes lembrar, numa das suas apetecidas crónicas mais recentes, nas colunas do “Açoriano Oriental”, que o PSD/Açores, então usando a sigla PPD/Açores, apareceu a reclamar para os Açores a Autonomia Política, logo nos primeiros tempos após a Revolução. Seguiu-se a participação no I Congresso Nacional do então ainda PPD, em cujo Programa, aí aprovado, se consagrou o compromisso de dotar os Açores e a Madeira de uma Autonomia Política, elevando-as na futura Constituição à categoria de Regiões Autónomas, dotadas de estatutos político-administrativos próprios. Faço notar que esta passagem do Programa foi contestada por alguns congressistas, recebendo, porém, apoio formal e decisivo do líder do Partido, Francisco Sá Carneiro. Ainda é de assinalar, a elaboração de um primeiro projecto de concretização de tais objectivos, com formulação muito incipiente, logo em Novembro de 1974, salvo erro.
Ora, as outras forças políticas em campo, procurando afirmar-se também nas nossas Ilhas, tinham posições diferentes, que divulgavam amplamente junto das populações, em sessões de esclarecimento acontecidas por todas as localidades e sempre seguidas com interesse pelos cidadãos, ansiosos por perceber as opções em causa nas eleições logo de início anunciadas e que foram precedidas da elaboração de cadernos eleitorais completamente novos, segundo as regras da lei eleitoral revolucionária, que reconheceu direito de voto a todas as pessoas com mais de18 anos, sem quaisquer discriminações.
As correntes mais à esquerda eram contra a Autonomia Política, argumentando que tal só serviria para defender os interesses dos mais ricos, bloqueando as reformas sociais propiciadas pelo processo revolucionário em curso. O próprio PS, no seu Programa aprovado em Congresso Nacional, nos finais de 1974, ainda falava em consagrar para as Ilhas, na Constituição futura, uma  Autonomia administrativa e financeira, donde talvez o cartaz de campanha eleitoral “Autonomia na Constituição”. Por seu turno o CDS propunha a solução de Comunidade, mas nunca explicou bem em que tal consistia. Não se pode ignorar que também havia quem defendesse a auto-determinação e a independência dos Açores e igualmente da Madeira, sob diversas e sucessivas siglas, MAPA, FLA, MNA/FLA, UDA/PDA, FLAMA, ou sem se acolher a nenhuma sigla destas, mas com convicção independentista. Acrescento que sempre me pareceu essa uma preferência legítima, a prosseguir por via democrática e com respeito pela legalidade.
Feitas as eleições e contados os votos nos três distritos ainda então existentes nos Açores, verificou-se que o PPD tinha eleito 5 Deputados e o PS 1, ficando as outras forças políticas com escasso número de votos e sem representação na Assembleia Constituinte. O PPD ficou assim legitimamente mandatado para levar por diante o seu projecto de Autonomia Política. Por coerência democrática, o PS acabou votando a favor da Autonomia Política preconizada pelo PPD, mas aprovou também as normas-travão introduzidas por proposta dos Deputados do PCP, que aqui, nem na Madeira , não tinham recebido qualquer mandato democrático, sendo no entanto a terceira força política a nível nacional.
Ficámos portanto com aquilo que eu logo chamei de “uma Autonomia ainda assim ampla”, com dimensão política, abrangendo poderes legislativos e governativos nunca dantes garantidos às populações insulares; para os partidos mais à esquerda o que estava na Constituição era bastante e, no pensamento reservado de alguns, muito mais do que deveria ter sido aprovado. Mas a nossa grande vitória tinha sido obter a faculdade de eleger, pela primeira vez na nossa História de mais de 500 anos, uma Assembleia Regional, democraticamente representativa de todo o Povo Açoriano, radicado nas nove ilhas dos Açores, capaz de falar em nome e em defesa dos nossos interesses próprios. E a grande tarefa a que se abalançou , e com sucesso, o I Governo  e os que se lhe seguiram, foi unir os Açores e os Açorianos, construindo uma forte Unidade Regional, que tem resistido a sucessivos embates e tentativas divisionistas, as quais fazem as delícias de quem deseja enfraquecer os Açores para os dominar como antigamente e tirar proveito do seu grande valor. 
Levanta-se aqui a questão do efeito do 6 de Junho na obtenção da Autonomia Constitucional, que algum terá sido certamente. Mas não pode ser ignorado que a Autonomia Constitucional se tem configurado como um processo dinâmico, sempre em evolução ao longo destes quase cinquenta anos de democracia, reclamando-se, perante os Órgãos de Soberania da República, e obtendo-se com justiça, sempre mais poderes e até novos poderes para os Órgãos de Governo Próprio das Regiões Autónomas. Por outro lado, a avaliação da vontade do Povo Açoriano vai no sentido de uma inserção em Portugal, com respeito das prerrogativas autonómicas. E isto me parece prudente e razoável face à inserção do nosso País na União Europeia e ao reforço da aliança desta, no âmbito da NATO, com os Estados Unidos da América e o Canadá, onde vivem e se afirmam um grande número de açorianos emigrantes, já de segunda e até terceira geração.

 João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não 
respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.) 

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