Assinala-se hoje o Dia Internacional dos Direitos da Criança

“Nos Açores ainda entendemos as crianças como membros passivos da sociedade, o que não está correcto”, diz Ana Matos

 Correio dos Açores - Qual a importância da existência do Dia Internacional dos Direitos das Crianças?
Ana Patrícia Matos (Psicóloga no Centro de Desenvolvimento Infanto-Juvenil dos Açores) - A 20 de Novembro celebramos a proclamação da Declaração dos Direitos da Criança e a adopção da Convenção sobre os Direitos da Criança pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Esta convenção assenta em importantes pilares como os civis, políticos, sociais e culturais.
A ideia de haver um dia que celebre a consciencialização em relação aos direitos e a todos os assuntos que afectem directamente a criança promove em nós, adultos, uma sensibilização e um sentido de protecção e de assistência essenciais para que a criança desempenhe o seu papel na comunidade de forma adaptada e saudável.

Quais as principais funções da CDIJA e que êxito tem alcançado no trabalho que tem desenvolvido?
Instituído desde o ano 2008, o CDIJA é composto por uma equipa multidisciplinar que procura diariamente prestar apoio a crianças e jovens de todo o arquipélago, com foco privilegiado na saúde mental, no desenvolvimento e bem-estar psicosociofamiliar. O CDIJA presta também acções de formação a Instituições de Ensino e de Saúde, de forma a oferecer informações estruturadas e didácticas, acrescentando conhecimento aos profissionais que interagem diariamente com as crianças e os jovens. A par desta intervenção e prevenção, o CDIJA revê o êxito do seu trabalho, felizmente, em vários objectivos que têm vindo a ser alcançados, ao longo destes anos, como o crescimento e especialização da nossa equipa médica e técnica, permitindo oferecer, a toda a comunidade, respostas ajustadas e personalizadas a diferentes problemáticas das nossas crianças, jovens, não descurando deste processo as suas respectivas famílias e contextos de vida significativos. Com isto, ganhamos capacidade para dar resposta a vários casos, em idades-chave ou correspondentes a acontecimentos importantes na vida dos nossos utentes. Valorizamos, ainda, a nossa acção ao nível dos acompanhamentos prestados como factor de promoção da saúde e de prevenção da doença, nomeadamente facultando às famílias e a outras figuras de referência os conhecimentos necessários ao melhor desempenho no que respeita à promoção e protecção dos direitos da criança e ao exercício da parentalidade, em particular no domínio dos novos desafios da saúde mental e do desenvolvimento infanto-juvenil. Por fim, a articulação efectiva entre estruturas, a criação de programas e projectos, dentro e fora do sector da saúde, que contribuam para o bem-estar, crescimento e desenvolvimento das crianças e jovens são, também, conquistas da nossa equipa que nos fazem sentir orgulho e nos inspiram, diariamente, no exercício da nossa missão.

Quanto mais as crianças brincarem, maior será a disponibilidade para aprender?  
Ao brincar, a criança acede a um universo de possibilidades fantásticas para se exprimir de forma simbólica. Ao brincar, a criança exprime as suas emoções, angústias e crenças e é aí que nós, adultos, somos uns afortunados, caso queiramos entrar nesses momentos de brincadeira, pois isso irá permitir-nos compreender o mundo interior da nossa criança.
É necessário referir, em primeiro lugar, que o corpo da criança é naturalmente predisposto para a descoberta, brincadeira e movimento e daí a importância de não só deixar a criança brincar como, principalmente, de o promover. É na brincadeira e no movimento que a criança se torna mais disponível para aprender, pois é através da interacção com os restantes pares de brincadeiras que a criança aprende valores como a partilha, a tolerância e o respeito, mas também capacidades como a autonomia, a persistência e habilidades motoras, todas elas essenciais no processo de aprendizagem. Da mesma forma, brincar ensina as nossas crianças a saber estar sozinhas com os seus pensamentos, o que promove um mundo interno precioso que lhes permitirá serem autónomas e confiantes nas suas acções e decisões.

Quais os direitos das crianças que são hoje mais postos em causa na sociedade açoriana?  
Não tenho conhecimento de quais os direitos específicos, mas sei que as crianças têm muito pouca informação acerca dos seus direitos. Acredito que tal situação ocorre porque ainda entendemos as crianças como membros passivos da sociedade, o que não está correcto.

As crianças das famílias mais vulneráveis são as que mais vêm os seus direitos postos em causa. Concorda? Como se pode atenuar esta realidade?
As crianças das famílias que se encontram em situação de fragilidade social acabam por estar sujeitas a inúmeras situações de adversidade. Associado a isso, é notória a carência de divulgação de informação acerca dos seus direitos.
Neste tipo de sistemas familiares, os técnicos das Instituições, a quem estas famílias recorrem, deveriam potenciar uma articulação constante e uma comunicação efectiva com a criança e a sua família, de forma a dar repostas consistentes e fidedignas, que possibilitam uma assistência efectiva.
Esta realidade pode, também, ser atenuada através de uma intervenção pedagógica. Seria fundamental haver um tempo, no período escolar, dedicado ao conhecimento e reflexão sobre os seus direitos. Contudo, seria importante não ser apenas um conhecimento passivo, mas sim promover um incentivo a leituras, a visionamento de filmes, entre outros, onde, posteriormente,  alunos possam debater e reflectir acerca das várias temáticas que incidem nos direitos das crianças.

Que estratégias poderão ser úteis aos pais para que as crianças passem menos tempo ligadas aos ecrãs?  
Antes do mais, parece-me essencial convergir para o que, comummente, designamos por “meio termo” pois a presença, a utilidade e o entretenimento oferecido pela tecnologia é uma realidade praticada por grande parte dos elementos da sociedade actual. Avaliar o equilíbrio da escolha efectuada pelas crianças e jovens, perante o uso exclusivo das tecnologias ou a realização de outras actividades lúdicas ou desportivas, quando lhes é dada esta oportunidade, é fundamental.
Não obstante, é igualmente importante abordar que é fundamental estabelecer limites e conhecer-se os sinais de alerta associados ao uso excessivo da tecnologia, por parte das crianças e jovens. Quanto maior o tempo passado em frente aos ecrãs, mais prejudicial será para a saúde das nossas crianças. As crianças que passam demasiado tempo ligados aos ecrãs, adoptam uma atitude mais passiva no seu dia-a-dia, prejudicando-as do ponto de vista físico, cognitivo e ao nível das suas habilidades socioemocionais, como a empatia, autocontrolo e capacidade de resolução de problemas.
As estratégias podem passar pelo estabelecimento de tempos sem ecrã, e estes tempos deverão ser dialogados e escritos por todos os membros da família, e afixados num local a que todos tenham acesso. Esses tempos deverão considerar também o tempo de sono, de actividades físicas e de convívios presenciais, essenciais a um estilo de vida saudável. Adicionalmente, para que as crianças consigam cumprir estes tempos sem ecrã, é fundamental que os pais sejam um bom exemplo disso, deixando também os ecrãs de parte e propiciem tempos de diálogo e brincadeiras com a sua criança.

Considera que o sistema de ensino deveria dar mais tempo para as crianças brincarem?  
Hoje em dia, as crianças vivem muitas horas do seu dia-a-dia entre a sala de aula, salas de apoio ao estudo e/ou outras actividades extracurriculares. Por vezes, pode correr-se o risco desta rotina não considerar tempo útil para a brincadeira, ou, pelo menos, tira disponibilidade física e psicológica para brincar, tanto da parte dos adultos como dos filhos. É importante que a criança tenha este tempo livre para brincar, fantasiar e nada melhor do que os pais para incentivarem a tal comportamento, sentando-se no chão e/ou cadeira, brincando com as suas crianças, e deixando os ecrãs guardados numa gaveta.
 
Neste Dia Internacional dos Direitos das Crianças, que mensagem gostaria de dedicar às crianças e às famílias?  
A família é o primeiro meio socializador da criança, onde ela absorve, como uma esponja, todos os comportamentos e conversas a que assiste em casa. Dada a grande importância deste sistema, é fundamental que o ambiente familiar seja promotor de um desenvolvimento harmonioso, tanto físico, como cognitivo e social da criança. Para isso, a criança apenas necessita de nascer rodeada de um ambiente familiar estável, onde prevalece a escuta, a compreensão, a felicidade e o amor.
                                

Carlota Pimentel
 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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