Maria Ema Gonçalves, Presidente da Associação de Surdos da Ilha de São Miguel

“Temos uma grande preocupação com os jovens e com o futuro deles”

Na semana que findou, visitamos a Associação de Surdos da Ilha de São Miguel (ASISM), que tem como missão desenvolver e criar estruturas de apoio ao cidadão surdo, garantindo a sua autonomia, a sua individualidade, os seus direitos e resposta às suas necessidades, actuando de forma integrada sobre os factores de exclusão social, encorajando ao exercício de uma cidadania activa e global.
Na respectiva sede social, fomos recebidos pela Presidente da Direcção, Maria Ema Gonçalves, que começou por nos elucidar, que “a Associação de Surdos da Ilha de São Miguel foi fundada há 29 anos, mais concretamente, a 24 de Junho de 1993”. No presente, “são cerca de 200, os surdos que, convivem e participam, com alguma regularidade, nas actividades da Associação de Surdos da Ilha de São Miguel”.
“No entanto, na ilha de São Miguel, certamente existirão alguns surdos que a ASISM não tem conhecimento, porque existem surdos parciais e outros que têm implantes, mas não temos o número certo e tem sido um bocado difícil contabilizar”, reconheceu.
Posto isto, releve-se que para além desses 200 cidadãos surdos, a Associação de Surdos da Ilha de São Miguel tem cerca de 230 associados, onde muitos deles são ainda família e amigos da comunidade surda.
Já em relação aos Açores, e porque a nossa interlocutora é professora de Língua Gestual Portuguesa e formada na área de investigação dos surdos, com mestrado, esclarece, de igual modo, que é difícil contabilizar quantos surdos deverão existir na Região. “É difícil contabilizar, porque uma pessoa que é surda é diferente de outra, que perde a audição, ou seja, é difícil e existem pessoas que têm implantes, tornando-se complicado avançar com um número concreto, mas no geral, penso que deverão existir cerca de 600 surdos, nas nove ilhas do arquipélago”.

Incentivos os cidadãos surdos

Maria Ema Gonçalves releva que a Associação de Surdos da Ilha de São Miguel tem como objectivos “tentar incentivar os cidadãos surdos, integrando-os na sociedade e porque somos uma minoria linguística, normalmente precisam desse incentivo. A ASISM está disponível para que eles possam conviver e possam estar em contacto com outros surdos, utilizando a língua mãe, que é a língua gestual. Existem muitos surdos desempregados, mas fazemos o que podemos, e temos, por exemplo, uma quinta social, onde alguns dos surdos vão para lá aprender algumas técnicas na área da agricultura e acabam por se tornar autónomos e encontrar outros trabalhos. Temos também um atelier de costura, para além dos serviços de intérpretes, que são muito requisitados, ou porque precisam de ir a uma consulta médica ou um outro qualquer atendimento da sua vida pessoal e têm dificuldades na comunicação pedem, que esses profissionais os acompanhem para serem a ponte de comunicação. Temos também a técnica de serviço social, que apoia nas necessidades, que os cidadãos surdos têm, mas temos também formações de Língua Gestual Portuguesa para pessoas que têm gosto a aprender, são bem-vindos e podem aprender connosco”.

Objectivos gerais

Deste modo, são objectivos gerais: A defesa e promoção dos interesses sócios profissionais, educacionais, culturais das pessoas surdas, e de todos os seus associados e suas famílias;
Criar estruturas de apoio ao surdo e implementar medidas de integração social;
Fomentar o ensino especial e difundir a Língua Gestual Portuguesa (LGP);
Desenvolver na Região Autónoma dos Açores em articulação com organizações congéneres e entidades públicas, nacionais ou comunitárias, acções de prevenção e sensibilização ligada à Língua Gestual Portuguesa e à surdez;
Organizar serviços e desenvolver acções, no sentido de facultar aos próprios sócios e aos surdos em geral, todas as formas de apoio e informação destinados à resolução dos problemas gerais e da comunicação entre as pessoas surdas e ouvintes.

Serviços/áreas de intervenção

No que toca a serviços, a Associação de Surdos da Ilha de São Miguel foca atenções, nas seguintes áreas de intervenção:
Promoção da prática desportiva;
Serviço de acompanhamento e interpretação/tradução em Língua Gestual Portuguesa;
Promoção de cursos, workshops e acções de sensibilização para ouvintes e surdos;
Comemoração dos dias relacionados com a comunidade surda;
Desenvolver acções de incentivo ao emprego, através de programa ocupacionais;
Centro de Actividades Sócios Educativas.
Na promoção da prática desportiva, a Associação de Surdos da Ilha de São Miguel chegou a competir com uma equipa feminina de futebol de 5, em 1999, e mais tarde, com uma equipa masculina, tendo participado, inclusivamente, em campeonatos nacionais para surdos, com muitos bons resultados.

Um pouco da história da comunidade
dos surdos em São Miguel

Antes da data da fundação da Associação de Surdos da Ilha de São Miguel, existia o Centro de Educação Especial dos Açores e os surdos de todas as ilhas iam para lá, onde ficavam em regime de internato. Mais tarde, a escola fechou e os surdos acabaram por se dispersar e voltaram novamente para as suas famílias. Entretanto, Maria Ema Gonçalves é convidada a aprender a Língua Gestual Portuguesa, no continente, e apercebendo-se, que os surdos na ilha e na Região tinham dificuldades na comunicação, houve a preocupação de quebrar essas barreiras, uma vez que no continente, a comunidade estava mais unida. Costuma-se dizer, que a união faz a força, e de regresso à ilha, o trabalho foi contactar os surdos, unindo-os e escolheu-se o nome para a associação, onde todos sentiram uma grande motivação e foi assim que se conseguiu criar a Associação de Surdos da Ilha de São Miguel, com um espaço provisório na Rua de Lisboa. A partir do momento em que a ASISM foi fundada, deu-se o reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa na Região. A determinada altura, a ASIAM passou por algumas dificuldades, mas a Associação Portuguesa de Surdos colaborou, quando um surdo chamado Hélder Duarte, que é um líder dentro da comunidade, veio a São Miguel para ajudar, aqui permanecendo durante três meses, fornecendo informações diversas, inclusivamente acerca do movimento associativo e com isso conseguiu-se protocolar com a Segurança Social. A partir desta altura, a ASISM conseguiu os primeiros intérpretes de Língua Gestual Portuguesa.
Nesse ano de muitas dificuldades, em 1999, o Centro de Jovens Surdos organizou um intercâmbio em São Miguel, onde vieram 35 jovens de Lisboa, que aqui permaneceram durante uma semana. Foi um importante momento de partilha de experiências e foi quase como um primeiro congresso de surdos que se realizou.

O futuro está nos jovens

Se o passado foi construído com muito esforço e dedicação para se contornar as dificuldades, questionamos Maria Ema Gonçalves, se persistem algumas preocupações e a resposta foi uma grande preocupação com os jovens. “O passado foi de dificuldades, agora há uma diferença muito grande e há uma melhoria que se nota. Por vezes temos fases, que são mais difíceis, mas sentimos que estamos numa fase melhor, temos mais projectos, estamos numa fase mais favorável e espero que o futuro também continue favorável. Agora temos uma grande preocupação com os jovens e com o futuro deles. Os jovens precisam ser incentivados, porque quando estão na escola estão bem, mas depois sentem-se um pouco perdidos e é preciso estimulá-los, no sentido de darem continuidade a este movimento associativo e à comunidade, também para progredirem”.
A Associação de Surdos da Ilha de São Miguel tem também um projecto de carpintaria, que surgiu com o apoio do Governo, onde são realizadas diversas actividades relacionadas, entre elas, a construção artesanal de jogos tradicionais, entre eles, a marralhinha.
É preciso que se note, que não há nenhum surdo residente na residência da ASISM, mas ali são realizados diversos eventos, que acabam sendo muito participados, como acontece na quadra natalícia, com um jantar a preceito e com troca de prendas, mas o mesmo acontece no Carnaval e onde mais recentemente foi realizado um concurso de sopas ou o São Martinho, com a realização de jogos e outras actividades para adultos e crianças.
Acresce referir, que a Associação de Surdos da Ilha de São Miguel fará 30 anos de existência no próximo ano e já pensa em celebrar essa data de uma forma especial.
Um agradecimento é devido a Andreia Dias, dedicada profissional intérprete em Língua Gestual Portuguesa.

15 de Novembro: Dia Nacional da Língua Gestual Portuguesa

Na passada Terça-feira, dia 15 de Novembro, comemorou-se o Dia Nacional da Língua Gestual Portuguesa.
O que é a LGP? É a língua natural da comunidade surda.
A Língua Gestual Portuguesa (LGP) é uma Língua bonita e muito rica, tendo tudo o que uma língua exige: gramática, sintaxe, pode ser coloquial ou formal, tem gíria e também regionalismos.
Ao contrário das Línguas orais, a Língua Gestual Portuguesa é muito visual, sendo a base de comunicação da comunidade surda. A expressão facial, o corpo, os olhos e acima de tudo as mãos, são o maior emissor desta mesma Língua.
A LGP é uma das três Línguas oficiais de Portugal, reconhecida na Constituição da República Portuguesa a 15 de Novembro de 1997, daí o seu festejo na referida data.
A Língua Gestual Portuguesa não é uma Língua universal, uma vez que cada país tem a sua própria Língua Gestual e todas elas têm influências da sua cultura, história e vivências do seu país.
É através da LGP que os surdos crescem e se desenvolvem como pessoas, como cidadãos. Esta Língua pertence a uma comunidade que tem a sua própria identidade, cultura e história, que dela fazem parte familiares ouvintes, Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, filhos ouvintes de pais surdos (CODAS) e outros profissionais, em que todos eles têm em comum a utilização da LGP, o respeito e a valorização da mesma.
A Língua Gestual Portuguesa é pouco conhecida e utilizada pelas pessoas na sociedade, por desconhecimento e porque infelizmente esta ainda não está disponível como uma disciplina que todos possam aprender nas escolas. Desta forma os cidadãos surdos, utilizadores desta Língua, sentem muitas limitações no seu dia-a-dia, por não serem compreendidos.
Aos leitores mais curiosos, a todas as pessoas que queiram conhecer a comunidade surda, a sua cultura e aprender uma nova Língua, podem procurar a Associação de Surdos da Ilha de S. Miguel - ASISM, são todos muito bem-vindos.
Dentro da comunidade surda existe uma partilha de saberes e conhecimentos intergeracional, ou seja, os membros mais velhos da comunidade fazem a passagem do seu “legado” aos mais jovens, de forma que estes continuem a lutar pelos seus direitos. Mantém-se assim a chama viva de que nada é impossível e de que todos os dias aprendemos algo novo e em conjunto.
Na comunidade surda existem vários utilizadores (nativos) da LGP e são muito diversificados, por norma, as pessoas mais velhas que têm um registo linguístico mais forte, com espírito de luta, ou com uma maior predisposição para defender a comunidade, são considerados como “Modelos Surdos”, dentro da comunidade. Este reconhecimento surge de forma natural e num ambiente de autoajuda e a sua atuação é principalmente em prol da união da comunidade.

 

Marco Sousa

 

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