Na ilha de São Miguel, conforme nos conta Luís Gonzaga, existem apenas quatro produtores de leite biológico que prontamente aceitaram o convite do Grupo Bel, iniciando assim o processo de conversão das suas pastagens, passando de um modo de produção intensivo para um modo de produção biológico, no qual é privilegiado – acima de tudo – a qualidade do produto final e o bem-estar dos animais.
Na sua exploração agrícola, a Ribeira do Salto, localizada no concelho da Ribeira Grande, que conta com 150 hectares compreendidos “entre ribeiras e entre o mar e a serra”, existem hoje 250 vacas, das raças Holstein-Frísia, Jersey e Montibeller, cada uma delas com o seu próprio nome e reconhecida perfeitamente pelo seu dono.
No caso deste produtor, a conversão das suas terras começou em Julho de 2018 e demorou, conforme estabelecido pelas normas da União Europeia, um total de dois anos, recebendo assim, em Julho de 2020 o certificado que lhe permitiria, a partir daí e até aos dias de hoje, produzir leite biológico para fornecer à indústria local. Diariamente, adianta – mas tendo em conta que nesta altura do ano as vacas tendem a produzir menos leite –, as suas vacas leiteiras têm vindo a produzir uma média de 2.500 mil litros de leite por dia, recolhidos de dois em dois dias pela indústria.
No que à alimentação destes animais diz respeito, toda a ração que consomem é biológica e importada directamente de Espanha. Por dia, cada animal é alimentado com um total de 5.5 kg de ração biológica nas horas destinadas à ordenha, sendo o resto da sua alimentação feito nas pastagens verdes e livres de herbicidas. Em acréscimo, são frequentemente feitos testes que verificam a salubridade do leite que é recolhido, nomeadamente a partir da quantidade de gorduras, de proteínas, de células somáticas e de ureia presentes no produto final.
Apesar de ter aderido ao modo de produção biológico, Luís Gonzaga refere que a sua exploração tem uma “grande diferença” quando em comparação com outras que se dedicam também à produção de leite biológico, uma vez que se encontra a produzir esta matéria-prima num local “com todas as características para ser uma exploração de leite intensiva”, o que acaba, por vezes, por dificultar o trabalho.
Em comparação com alguns exemplos de produção biológica encontrados na ilha Terceira, onde os produtores têm pastagens de menor dimensão e um número de cabeças de gado também muito inferior, alcançando algumas dezenas de vacas apenas, Luís Gonzaga refere que estas explorações de menor dimensão são, na sua opinião, “o modelo ideal” para aquilo que se espera da produção de leite biológico nos Açores, uma vez que exigem menos investimento, quer em alimento, quer em mão-de-obra, quer em maquinaria.
“Tive a necessidade de experimentar uma alternativa na qual acredito”
Durante muito tempo, tendo em conta que sempre se dedicou à lavoura, à semelhança dos seus familiares, este produtor dedicou-se à produção intensiva de leite, modelo este que, depois de vários anos, se revelou pouco rentável, levando assim a uma mudança de estratégia que lhe permite também apostar nos valores em que acredita, relacionados com a preservação do meio ambiente e com a sustentabilidade dos recursos.
“Se há uma coisa que é transversal a todos (os produtores) é que a lavoura não está a ser rentável. Estamos com dificuldades financeiras para suportar os custos da exploração e tirar algum rendimento. Por isso, tive a necessidade de experimentar uma alternativa na qual acredito, porque eu acredito no biológico. Não era só a questão do dinheiro, mas se não dava certo no modo de produção intensivo, se não estava a ser rentável, não ia perder ao avançar para outro sistema de produção”, explica.
Por este motivo, questionado se a mudança para o modo de produção da sua exploração agrícola compensou o tempo e a dedicação envolvidos, Luís Gonzaga adianta que o sucesso da sua actividade não se mede pelos litros de leite biológico que entrega à indústria de dois em dois dias.
“Os litros não são relevantes. Com certeza que no modo convencional eu produzia muito mais leite, produzia muitas mais toneladas de erva mas, no fim das contas, tinha prejuízo. Vim para o biológico, com uma produção completamente diferente, mas com uma filosofia de vida em que acredito, e se acredito nesta filosofia de vida tenho que a seguir”, refere.
Porém, admite que o rendimento da exploração melhorou desde a sua conversão ao modo de produção biológico, embora os valores alcançados “não sejam o esperado nem o desejado”, estando também satisfeito com a redução da sua respectiva pegada ambiental.
Aposta nas energias renováveis
é fundamental
Questionado em relação ao que precisa ainda de alterar para tornar a sua exploração mais sustentável, Luís Gonzaga começa por salientar que esta é uma tarefa difícil dada a dimensão da área, uma vez que esta obriga à existência de parques de alimentação e de várias máquinas que ajudam nas tarefas diárias, algo que não acontece em explorações mais reduzidas. Ainda assim, conta que uma aposta nas energias renováveis possa ajudá-lo a economizar e a melhorar a produção, sendo neste momento um candidato para a instalação de painéis fotovoltaicos na sua exploração, esperando que “a Ribeira do Salto seja uma das primeiras explorações a ter painéis solares” na ilha. Em acréscimo, este produtor conta ainda renovar o telhado do estábulo, dado que o seu tempo de vida útil terminou.
Leite e queijo biológicos
exportados para França
No que diz respeito à industrialização deste leite, Luís Gonzaga explica que tudo é encaminhado para a Bel, impulsionadora do projecto “Vacas Felizes” do qual fazia parte antes da conversão. Para além do leite biológico, a referida fábrica produz também queijo biológico, mas, de acordo com este produtor, grande parte destes produtos são exportados para França, tendo em conta a quantidade de produto e o preço do mesmo, mais elevado, que “também limita muito”.
Pela positiva, há a registar a subida do preço do leite pago ao produtor, mesmo que o diferencial em relação a outras formas de produção se mantenha.
Este era, conforme refere, “um aumento necessário e um bom valor”, mas com o aumento dos factores de produção associados às explorações é difícil colmatar as necessidades dos produtores. Neste sentido, refere, o ideal seria que cada litro de leite biológico atingisse os 75 cêntimos por litro, encontrando-se neste momento “à volta dos 57 cêntimos”.
Desta produção biológica, que se distingue também por fertilizar a terra apenas com estrumes e adubos de origem natural, resulta também uma carne diferente daquela que é produzida através do abate de animais criados no modelo de produção intensivo, uma vez que “não temos ainda mercado para carne biológica”, diz o produtor, assegurando, porém, que esta é “uma carne com melhor qualidade, tal como o leite”, pois embora possa “não ser mais saborosa, é garantidamente mais saudável”.
Por outro lado existem, naturalmente, desafios que minam a produção de leite, especialmente a biológica, dada a escalada de preços verificada actualmente e a escassez de mão-de-obra: “Quando importamos a ração vemos que ela está a ficar mais cara. A questão da mão-de-obra também é um problema transversal a todas as explorações e a todos os sectores. Com esta inflação, e com o que ganham, também se queixam que precisam de ganhar mais e para termos mão-de-obra temos que pagar mais. Os custos de produção, tanto da mão-de-obra, como dos factores de produção das energias e dos combustíveis é, também, uma complicação”.
Em relação ao futuro da lavoura nos Açores, Luís Gonzaga considera que embora a área de actividade “nunca deixe de existir”, irá haver a necessidade de as explorações “se adaptarem a maneiras diferentes de produzir leite”, tendo em conta a “crónica falta de mão-de-obra” e o envelhecimento daqueles que trabalham neste sector, bem como os “fracos rendimentos das explorações”.
Já no que diz respeito ao modo de produção biológico, este produtor refere que é ainda difícil mudar a mentalidade dos amigos, vizinhos e colegas de profissão, uma vez que “eles não sentem e não têm as mesmas crenças”, o que prova que existem ainda algumas dúvidas em relação à rentabilidade e sustentabilidade deste modo de produção.
“Ainda não me arrependi e não voltava atrás. (…) Mas nunca fui de me preocupar com a quantidade, apesar de ter muitas vacas, mesmo quando estava no modo de produção intensivo nunca me preocupei muito com a quantidade, sempre me preocupei que as minhas explorações fossem rentáveis, e produzir muito não é sinónimo de mais rendimento, mas cada um encontra o seu equilíbrio e tenta ter o melhor rendimento possível da maneira que gere a sua exploração”, conclui Luís Gonzaga.
Joana Medeiros