Empresa açoriana entrou no mundo dos jogos de tabuleiro e espera produzir e comercializar o seu primeiro projecto já no próximo ano

Depois de dez anos a trabalhar numa loja de produtos de cosmética, e de outros tantos anos a estudar e a trabalhar na área, Catarina Mendes decidiu apostar no seu lado mais criativo, acabando assim por, em conjunto com o marido, Carlos Mendes, criar em 2020 a empresa Ninja Cows, situada na incubadora de empresas do Nonagon.
Conforme relembra, o interesse pelo mundo dos jogos é algo que sempre uniu o casal, que hoje se dedica à criação de jogos de tabuleiro, procurando aliar os aspectos mais tradicionais destes passatempos com as novas tecnologias, uma vez que Carlos Mendes é engenheiro de multimédia com grande experiência no que diz respeito à criação de conteúdos digitais.
Esta micro empresa é hoje constituída por quatro pessoas, pois, para além do casal – ela responsável pelas ideias e ele responsável por concretizá-las –, os Ninja Cows contam também com o precioso trabalho de Francisco Correia, “o artista da empresa”, responsável pela criação das animações em 2D, 3D e animação, e com o precioso apoio de Pedro Medeiros em tudo o que implica programação. Depois de terminada a sua formação, Francisco Correia tencionava trabalhar na área da banda desenhada ou da animação, mas quando conheceu o mundo dos jogos de tabuleiro foi surpreendido pela positiva. Para o jovem, segundo conta, o mais difícil neste processo é mesmo dar vida ao jogo, transformando o óbvio numa coisa não tão óbvia ou cliché, pois não se trata de “inventar a roda” mas sim de “refazê-la”.
Em conjunto, trabalham hoje em dois jogos de tabuleiro em simultâneo. O primeiro a ser criado intitula-se “Azorium”, nome que funciona como uma homenagem ao arquipélago dos Açores, mas que, por se encontrar ainda em fase de desenvolvimento e por ser mais completo, será o último a ser concluído. Na sua fase final, por outro lado, está o jogo “Hell of a Run”, que a equipa espera conseguir produzir em grande escala no primeiro trimestre do próximo ano.
Esta transição para a criação de jogos de tabuleiro ocorreu durante a pandemia, quando este casal se apercebeu de que o mercado dos jogos de tabuleiro estava em crescimento e que era possível fazer “mais neste mundo dos jogos de tabuleiro do que nos jogos de vídeo” com a pequena equipa da empresa.
Conforme relembra Catarina Mendes, foi através de uma espécie de sonho que lhe surgiu a ideia para “Hell of a Run”, contando como a ideia para o jogo surgiu e o quão rápido esboçou o primeiro protótipo do mesmo: “O Carlos passou o dia a cantarolar a música “Primo Victoria”, dos Sabaton. Fui dormir, mas acordava pouco a pouco e ouvia a música que tem um verso que, traduzido, diz: “através dos portões do Inferno, enquanto fazemos o nosso caminho para o Céu”. Com isso, comecei a sonhar com umas peças de tabuleiro que se moviam no Inferno com o objectivo de dali saírem. Quando ele chegou numa hora de almoço eu já tinha um protótipo feito numa folha A4, com papéis cortados à mão”.
Depois de alguns ajustes na história deste jogo de tabuleiro, a empresária refere que este é “um jogo social que acaba por proporcionar momentos de grandes risadas”, uma vez que cada um dos jogadores (até sete pessoas podem jogar em simultâneo) “acaba por interpretar uma personagem” que, logo à partida, assume um dos sete pecados mortais como uma das suas maiores características.
Tudo começou quando os seis filhos do Rei do Inferno, criados à sua própria imagem e semelhança se revoltam contra o pai, também conhecido neste mundo de fantasia por ser o Príncipe do Orgulho, que julga impossível perder o seu trono. Assim, cria uma espécie de “corrida” com os seus filhos, e diz-lhes que o primeiro a chegar ao céu será o novo Rei do Inferno.
No total, adianta, existem nove níveis de Inferno, e o objectivo do jogo passa por chegar às portas do Céu mais rápido para conseguir o trono. Para além das sete personagens, esculpidas e impressas em 3D e – para já – pintadas à mão, existem ainda sete baralhos diferentes, cada um representando um dos príncipes/personagens do jogo e os seus poderes que, para os jogadores, são encarados como defeitos ou pecados.
Para além da sua versão física, e uma vez que é cada vez mais comum que os jogos de tabuleiro disponham de conteúdos que podem ser acedidos através de aplicações móveis, “Hell of a Run” contará também com uma aplicação, contando com elementos de realidade aumentada que permitem tirar fotografias com filtros associados a cada uma das personagens, ouvir as vozes dos príncipes ou, até, participar em eventos especiais que serão depois adicionados ao jogo.
Os criadores deste jogo de tabuleiro adiantam que decidiram avançar com este projecto em primeiro lugar por considerarem ser “mais fácil começar por um jogo mais pequeno”, pois “mesmo que falhe” tornar-se-á mais fácil “ir avançando e ganhar experiência” com este tipo de projecto, procurando averiguar “o que se poderá melhorar no próximo e saber no que falhámos”.
Também o facto de a empresa existir nos Açores, bem como o não ter ainda estabelecido “grandes contactos” com editoras que aceitem trabalhar com startups no que diz respeito aos jogos de tabuleiro, fez com que os Ninja Cows optassem por esta estratégia de lançamento, que consistirá também, no primeiro trimestre do próximo ano, na criação uma campanha de angariação de fundos através da plataforma Kickstarter, um dos maiores sites de financiamento colectivo do mundo que procura apoiar projectos inovadores, sendo que, em muitos casos, as pessoas podem contribuir e, em simultâneo, reservar uma unidade para si, que lhe é enviada depois.
Actualmente, para além de se encontrarem a ultimar os últimos detalhes relacionados com o marketing do jogo, o casal empreendedor está em conversações com uma fábrica especializada na produção e distribuição de jogos deste tipo na China, a GAMELAND.
Até ao momento, o casal não usufruiu de apoios para erguer estes projectos, contando apenas com o apoio do Nonagon na questão do espaço, onde pagam “um valor irrisório pela renda”. De resto, todos os equipamentos e ma-terial são investimentos feitos na íntegra por Catarina e Carlos Mendes.  
Em relação ao jogo “Azorium”, o engenheiro de multimédia afirma que este é “um projecto bem mais ambicioso”, que pretende misturar os jogos de tabuleiro com as novas tecnologias, uma vez que esta é também a sua área de especialidade. Ou seja, explica, quando este jogo estiver terminado, o que se prevê para o final do próximo ano, o tabuleiro existirá também numa versão digital, na qual será possível jogar em cima de um ecrã ou com recurso a um projector, acrescendo o facto de que, com a componente tecnológica, será possível “ver a água a mexer ou ouvir o barulho das ondas”.
Tal como o nome pode sugerir, e ao contrário do que acontece com “Hell of a Run”, este é um jogo que conta com muitos elementos alusivos aos Açores, a começar pelo seu nome e por vários pormenores que estarão presentes neste jogo, como a “nave” onde irão viajar os jogadores, a Azorius, ou uma das cidades presentes no jogo, inspirada nas sete lombas da vila da Povoação.
Porém, a história deste jogo de fantasia começa em Lisboa, mas numa cidade diferente daquela que se conhece hoje. Nesta cidade, existe um conjunto de personagens que partem à aventura e que descobrem um “barco voador” que os vai levar a descobrir um reino de fantasia completamente à parte, e onde o jogador terá vários cenários por onde irá avançando pela história “com a ajuda da tecnologia”, conforme explica Carlos Mendes.
Assim, explica Catarina Mendes, enquanto o jogo “Hell of a Run” pode ser caracterizado por ser um party game ou um jogo mais social, “Azorium” está a ser desenhado para que seja “um jogo que pode demorar meses a ser jogado”, tendo em conta o grande número de personagens com que conta – cada uma delas com uma magia inerente a ela própria –, o grande número de cartas e os muitos recursos disponíveis, prevendo-se, inclusive, que este jogo de tabuleiro tenha, no final do processo, “uma caixa gigante”.
No que diz respeito ao facto de os jogos de tabuleiro virem a apresentar uma popularidade cada vez maior em várias faixas etárias, os empresários dizem que existem vários motivos que têm influenciado este sucesso aparentemente maior: “Antigamente pensava-se que os jogos faziam mal às crianças, mas hoje penso que já passámos essa fase e já toda a gente concorda que os jogos de tabuleiro fazem bem ao desenvolvimento das crianças, e temos o exemplo do xadrez. Entretanto, os jogos de vídeo acabaram por tomar o papel de serem maus e de causarem problemas e, em acréscimo, as pessoas começaram a querer voltar para o analógico”, explica Carlos Mendes. Por seu turno, Catarina Mendes acrescenta que os próprios jogos de tabuleiro também se desenvolveram bastante nos últimos anos, criando histórias diferentes e, em parte, mais apelativas para os jogadores.
“Os jogos desenvolveram-se bastante. Antes, tínhamos o “Monopólio”, que ensina o capitalismo mas, em termos de mecânica do jogo, considero-o um jogo muito chato. Temos uma versão que jogamos com os nossos filhos, que é o “Machi Koro”, que também ensina o capitalismo mas que é muito divertido, porque a forma como se faz um jogo de tabuleiro evoluiu bastante e há hoje jogos para todos os gostos e com todos os temas”, adianta.
Para além disto, também a pandemia acabou por ajudar esta indústria, uma vez que as pessoas, ao estarem fechadas em casa, acabaram por se cansar de estarem sempre dependentes de uma tela para se entreterem, refere também a empresária, salientando que, actualmente, existem até jogos de tabuleiro com versões para apenas um jogador, o que faz com que os jogos se possam transformar “de um momento de reflexão para um acto social”, sendo que ambas as vertentes são capazes “de ensinar muitas coisas”, conclui.
 

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