Filipe Rocha, sócio da Azores Wine Company afirma que as vindimas deste ano foram “uma catástrofe”

Como correram as vindimas este ano?
Foi um ano péssimo, muito mau e é, seguramente, um dos piores, senão mesmo o pior ano de sempre desde que estamos a fazer vinhos. É provavelmente um dos piores anos das últimas 4, 5 ou 6 décadas.

No ano passado tinham recebido cerca de 50 tonelada de uva...
Abaixo disso, são valores muito reduzidos e, sobretudo com a extensão da área recuperada que existe na ilha, as nossas expectativas, bem como a de todos os produtores, eram seguramente bastante maiores e este foi, de facto, um ano muito fraco. As quebras andarão à volta dos 50% face a 2021, que já tinha sido um ano mau. Estamos a falar de quebras de 80% face a anos bons e, por isso, é uma catástrofe.

Essa quebra deve-se às condições atmosféricas?
Acreditamos que sim. Não sabemos bem o que terá acontecido, porque o Arinto dos Açores, que é a casta dominante, nem nasceu em muitas plantas. Os nevoeiros, o mau tempo de Maio/Junho, as chuvas ou as tempestades seguramente tiveram muita influência mas também não sabemos muito mais do que isso. É importante estudar o tema e, porventura, seria importante que as entidades publicas que estão à volta destes temas; Serviços Agrários, Ambiente, etc, pudessem apoiar com estudos mais apropriados e mais profundos já que são eles que dispõem dos meios. Não sabemos se há também alguma influência das alterações climáticas e é preciso perceber estes impactos porque, para uma indústria que está agora a renascer e que se está novamente a posicionar no mercado, anos como este têm um impacto enorme.

Numa entrevista anterior tinha destacado também a existência de problemas com os pássaros…
Costumo dizer que esta é uma luta contra um gigante - a natureza. Se não é a falta de chuva, é a chuva, se não é o vento é a tempestade, se não é o sal do mar são os coelhos, são os lagartos ou os pássaros e andamos sempre nisto. Por isso, a natureza tem aqui uma componente dominante. Obviamente que a protecção da natureza é importante, mas não penso que os pássaros estejam propriamente em perigo de extinção nos Açores e há que pensar no impacto negativo que a excessiva protecção tem sobre quem produz riqueza, postos de trabalho e quem procura levar o desenvolvimento económico para a frente e, neste caso, sentimo-nos claramente prejudicados. Não se podem afugentar pássaros, não se pode fazer nada, mas pode-se perder toda uma produção que dá trabalho a muita gente e as entidades públicas têm de perceber que é importante existir aqui um equilíbrio que não pode ser em desfavor das empresas.

Numa outra vertente, como correram as vendas durante este ano?
Obviamente que as vendas dependem daquilo que se produz e se tivermos dois ou três anos muito maus, isso já faz mossa. Vínhamos de vindimas mais generosas, como foram os casos de 2018 e 2019, que depois esbarraram numa pandemia. Houve depois uma recuperação, mas os stocks já estão bastante limitados o que quer dizer que precisávamos mesmo de uma boa vindima este ano.

Mas, do ponto de vista das vendas, o ano de 2021 foi positivo?
Sim, as vendas foram boas e este foi o primeiro ano a sério no pós-pandemia. As vendas realmente recuperaram e as coisas retomaram o seu caminho, mas não é possível manter estes valores e este volume se não tivermos vinho. O problema é que já não temos, este ano não vamos ter outra vez e, portanto, o futuro está obviamente posto em causa porque mais um ano assim, torna-se mesmo muito difícil. Mas, para além das vendas estarem a correr bem, estamos muito satisfeitos com a vertente do enoturismo, uma nova área de negócio que este ano conseguimos colocar em funcionamento a 100%. O enoturismo tem muito futuro na ilha, estamos muito satisfeitos com os resultados e com a aposta que fizemos, mais uma vez, num nível muito elevado e muito acima da média do que se fazia na ilha e do que se faz em geral na região. Isso demonstra que há publico e que é possível fazer corresponder à experiência turística o valor que já temos nos vinhos. O melhor branco de Portugal é nosso, as melhores pontuações de sempre de brancos de Portugal são dos Açores, são da Azores Wine Company, fomos considerados a empresa de vinhos em Portugal, pela revista “Grandes Escolhas” e temos trazido para a Região o que nunca ninguém trouxe e acho que, no enoturismo, conseguimos fazer exactamente o mesmo. No enoturismo, e para além da sala de provas, temos o alojamento e o restaurante.

No ano passado, tinha referido que o objectivo passaria por o enoturismo representar cerca de 50% da vossa facturação. Isso foi alcançado?
O objectivo de 50% seria sempre difícil, mas já estamos acima dos 30%. Naturalmente que o intuito passa por incrementar bastante o volume dos vinhos quando a nossa área de vinha ficar em produção cruzeiro, mas já atingimos números interessantes no enoturismo e acho que conseguimos ultrapassar os objectivos anuais que tínhamos desenhado e, portanto, já estamos acima do que pensávamos para o ano inteiro. Neste momento, o nosso projecto já está montado como um todo, com a nova adega, vinhas plantadas e o enoturismo a funcionar e o que queremos é melhorar todos os dias a nossa actividade e o produto que servimos. Temos quase 40 pessoas empregadas na ilha e, por isso, não tenho dúvidas de que este é um sector que tem uma importância que há 10 anos atrás era apenas uma miragem. Temos muita gente implicada, somos, de longe, o maior empregador no sector dos vinhos nos Açores e considero que este sector merece ser olhado com muita atenção, em particular pelas entidades governamentais. Há poucos exemplos nos Açores de um sector com esta dinâmica, com esta projecção, e que leva o nome dos Açores a quase 30 países. Penso que o sector merece ser olhado com carinho e, sobretudo numa altura de dificuldade como esta, isso seria importante com IVVA ou sem IVVA. Já que falamos de instituições com responsabilidades, um papel que é da CVR neste momento e que seria obviamente de um futuro instituto que o possa substituir, é o da fiscalização. A Azores Wine Company não quer deixar passar isto em claro, porque entendemos que não foi feita uma fiscalização como deveria e é necessário fiscalizar cada quilo de uva que entra nas adegas. A sua proveniência tem de ser garantida para que possamos protegermos os vinhos dos Açores.

Está a dizer que há uva não proveniente dos Açores?
Não sei se há uva que não é dos Açores, mas há engarrafamentos de vinhos nos Açores que não são certificados. Isso existe e porventura seria bom olhar para isto porque acho que se pode estar a destruir um sector que, como já disse, é muito importante. Considero apenas que as coisas têm de ser fiscalizadas e, sobretudo em anos como este, a tendência para compensar ainda é maior. Em nossa opinião, a fiscalização não é feita com rigor.        
                                           

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