GERAÇÕES: diferenças e evoluções no milénio que corre

 “O convite deste Jornal que há décadas “tão generosamente me acolhe no seu seio”, na imaginativa expressão do seu antigo diretor e meu falecido amigo Jorge Nascimento Cabral, permite-me recuar até aos anos 40 do século passado. Quando, com 4 anos de idade, desembarquei em Ponta Delgada no cais da Alfândega, imortalizado no quadro “Os emigrantes” de Domingos Rebelo, o vapor “Lima” ancorava no meio do porto e os passageiros vinham de lancha (os “gasolinas”, como lhes chamavam) para terra. Corria o ano de 1943 e Salazar governava com mão de ferro, tendo ordenado que, para proteger os empregos nos “gasolinas; enquanto não houvesse alternativa, os vapores da Insulana de Navegação, só atracavam para descarregar. Custa acreditar nesta atitude, vinda de um governante apelidado de fascista e ditador, mas que vivi o episódio, lá isso vivi, a ponto de o recordar, passados quase 80 anos. Nessa época, as comunicações telefónicas para Lisboa exigiam contato com uma telefonista de serviço na central, que funcionava com um sistema de fichas; o secretariado usava máquinas de escrever mecânicas, com um som de teclas que me ficou na memória; os navios eram movidos a vapor (donde o cognome de “vapores”) produzido em caldeiras aquecidas a carvão; e as viagens entre as ilhas eram feitas nos iates do Parece e nas escalas do “Lima” e do “Carvalho Araújo”, que ligavam os Açores a Lisboa.

A TAP “bem merecia melhor sorte”

A situação das acessibilidades, como agora se diz, começou a mudar com a SATA, uma criação audaz de um grupo de açorianos liderados pelo Dr. Augusto de Arruda, pessoa de quem meu pai falava com muita admiração e estima. Os 2 Dove da SATA, que usavam o “aerovacas” de Santana nos voos para Santa Maria, onde as companhias estrangeiras faziam escala, facilitaram a vida à minha geração, concluídos os estudos liceais. Voei, durante os estudos universitários, em companhias com nomes exóticos, tais como a Cubana de Aviación, Aerovias México ou outras americanas mais conhecidas, como a Pan American e a TWA. Foi na Pan Am que voei pela primeira vez, em 1945, num hidroavião Clipper que fui com meus pais apanhar ao Faial, creio que no “Carvalho Araújo”. Hoje, temos tudo mais facilitado, desde que nos livrámos do monopólio da TAP e os céus abertos da União Europeia abriram as torneiras do fluxo turístico. Ou melhor, tínhamos, porque desde que as covids, as crises económicas, a cedência da política aos negócios e à gula financeira dos “mercados”, colocaram tudo o que dava lucro nas mãos de privados, incluindo os aeroportos, instalou-se o caos e a desconfiança nos passageiros. As estórias de arrepiar contam-se diariamente, transformando a mobilidade aérea numa aventura. A TAP, companhia outrora prestigiada, e o aeroporto da Portela, agora desonrando o nome que ostenta, bem mereciam melhor sorte do que aquela que irão inevitavelmente ter.

Dormir no aeroporto de Lisboa

Significa isto que “antigamente era melhor”, ao que costuma dizer-se? Obviamente que não, quer apenas dizer que tudo é relativo à época. Relembro, para voltar aos aviões, o ano de 1969, quando viemos de Luanda a Ponta Delgada apresentar a nossa
filha Patrícia aos avós paternos, a verdadeira odisseia que foi ficarmos retidos em Santa Maria com a menina de 1 ano, devido ao mau tempo. Com o aeroporto e o hotel cheios, valeu-nos um amigo de meu pai, que conseguiu alojar-nos em Vila do Porto, numa casa de familiares idosas. Tivemos melhor sorte que a ex-bébé Patrícia, hoje Profª. Associada da Universidade dos Açores: entre 2 reuniões científicas, uma em Bilbau, outra na Terceira, ficou retida e passou a noite de 5ª feira no aeroporto lisboeta, devido a overbooking no voo TAP para as Lajes. Quanto a alojamento hoteleiro, é pura especulação, porque informaram estar tudo repleto devido ao turismo (uma simples verificação online mostrou vagas em hotéis próximos) o que permite à TAP descartar responsabilidades. Temo que, com estas e muitas centenas ou mesmo milhares de casos idênticos, a galinha de ovos d’ouro turística acabe por finar mais depressa do que nasceu. Os 30 anos que leva o planeamento do “novo” aeroporto da capital, enredado em negociatas de todo o tipo, não pressagiam nada diferente do que era Portugal nos anos 70 do século XX.

O cerco centralista à Universidade

No entanto, se olharmos à nossa volta, o mundo que vivemos no primeiro quartel do século XXI, tem pouco a ver, em imensos aspetos, com as décadas precedentes. Quando estudava na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, entre 1958 e 1963, voava para Ponta Delgada 1 vez por ano, nas férias de verão, o mesmo tendo sucedido nos 2 anos anteriores, enquanto estudante da Faculdade de Medicina de Lisboa. Os preços das viagens aéreas estavam ao alcance de muito poucas famílias, os licenciados açorianos eram tão raros, que mereciam destaque de 1ª página no Correio dos Açores, no Açoriano Oriental, Diário dos Açores e no desaparecido Ilha. Guardo alguns recortes, porque aconteceu comigo e com meu irmão Luís, hoje Juiz Desembargador Jubilado, vivendo em Carcavelos. No ensino, a aspiração máxima dos estudantes liceais açorianos era terem ensino superior nas ilhas, o que aliás tiveram com os Colégios dos Jesuítas no século XVII; a Academia Militar de Angra (1811) e, 30 anos depois, com a efémera tentativa da Escola Médico-Cirúrgica de Ponta Delgada. No pós-25 de abril de 1974, na sequência das Semanas de Estudo dos anos 60, aproveitando a onda de Liberdade e o projeto anterior da Escola Normal Superior de Ponta Delgada, surge a instalação do Instituto Universitário dos Açores, precedendo a Autonomia Regional, consagrada na Constituição de 1976. Estava dado o primeiro grande passo científico e cultural para o desenvolvimento da Região, que é hoje suportado pela Universidade dos Açores, com o êxito académico, científico, e de prestação de serviços, que só não são mais porque o Parlamento Regional ainda não tomou a seu cargo uma iniciativa legislativa que obrigue os Governos dos Açores a alocar uma percentagem anual fixa do Orçamento Regional, para complemento do financiamento que vem do Orçamento de Estado. Algum dia, alguém acordará da letargia, Senhoras e Senhores Deputados Regionais? A avaliar por disfarçadas tentativas de cerco à nossa Universidade, por parte de algumas figuras do centralismo nacional, é bom estarmos atentos.

Do tempo da carta escrita à mão

Ser português é estar atento, diziam em 1963 os meus colegas do curso de cadetes, na Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas, mas ser açoriano 60 anos depois, ainda exige maior atenção. Seis décadas atrás, os militares que iam para o ultramar, embarcavam em navios da CNN e CCN, enfrentando longas viagens marítimas em condições de alojamento difíceis, sobretudo para as praças. Nos anos 70, com a entrada ao serviço dos Boeing 707, a mobilidade aérea de militares e civis melhorou as deslocações. As cartas dos militares eram os aerogramas do SPM-Serviço Postal Militar, que chegavam com semanas de atraso, dependendo da zona onde se encontrava o expedidor/recetor. Ainda conservo alguns deles, de papel amarelo, com um código numérico identificador. Para quem usa nos nossos dias a internet, parece surreal, mas foi vivido pela minha geração, que atravessou a época do telex e as suas fitas perfuradas, depois o fax e o computador pessoal, tendo o correio eletrónico destronado quase completamente a carta escrita à mão. O destreino da escrita chega a ser pungente: hoje não se escreve, tecla-se. Logo, faltando a energia elétrica, recorre-se às variadas tecnologias associadas a tablets e smartphones, nomeadamente a videochamada tipo whatsapp. Quanto não teríamos dado para ter estas facilidades no ComSec Q de Quibaxe, no coração dos Dembos angolanos, naqueles meses finais de 1964, onde rendi um tenente do quadro que regressou a Lisboa para frequentar o curso de capitão. Tendo comprado nas Canárias -- onde o “Uíge” parou 1 dia, na viagem para Luanda -- um rádio transístor japonês (marca Sanyo, desde 2013 integrada numa multinacional americana) consegui quebrar o isolamento por essa via. Foi após terminar a comissão de serviço militar, regressado à vida civil em 1966 como assistente do Instituto de Investigação Científica de Angola, que vi pela primeira vez um computador, instalado no Centro de Cálculo Automático, dirigido pelo Engenheiro João Campinos. Era um IBM, ocupando uma sala enorme onde avultavam, na parede de fundo, uns móveis verticais com bobines de fitas para registo magnético. A IBM, com os modelos da série 300, marcou a geração “baby boomer” de investigadores científicos, entre 1945 (fim da guerra 39-45) e 1964, ano em que Portugal, apesar da guerra colonial, teve um crescimento do PIB de 6%, superando no ano seguinte os 10%. A geração X, dos nascidos entre 1965-84, foi fustigada pelo vendaval da descolonização, logo seguido pela instalação da democracia, o que possibilitou a adesão à CEE, embrião da atual União Europeia.

A sobrevivência em perigo

Porém, apesar das naturais ventanias do fim do império, a integração política no projeto europeu recuperou a economia e fez avançar as áreas sociais, com relevo para os mais desfavorecidos. Por culpa própria, incompetência ou servilismo a lóbis com ligações ao poder político-financeiro, Portugal aceitou destruir grande parte do tecido industrial, a troco de ajudas que nunca foram grátis, o que até se compreende. As   608 toneladas de ouro da reserva nacional, existentes em 2000, restam pouco mais de 382, embora a quantidade tenha estabilizado na última década, havendo perspetiva de atingir as 383 no fim deste ano. Com preços atuais nos 55 USD/grama, significa que o Banco de Portugal detém uma almofada-ouro que vale mais de 21.000 milhões de dólares – e que, se tivéssemos tido juízo, as 600 toneladas de 2000 valeriam 33.000 milhões. Os jovens conhecidos por “millennials” ou geração Y, nascidos entre 1981 e 1996/7, são quem mais perdeu com a venda, mas mais ganhou com a valorização do ouro. A geração Z, quanto a mim os verdadeiros “millenials”, por terem nascido no intervalo 1997-2012, na transição do 2º para o 3º Milénio, são aqueles que mais irão suportar, até 2050, os custos das alterações climáticas, dos atrasos sucessivos na reformulação da globalização, do incrível desleixo da I&D no campo das energias “verdes”, da sobre-exploração dos recursos pesqueiros e outras tantas áreas onde a espécie humana vem pondo em perigo a própria sobrevivência planetária.
 O tempo da energia nuclear

Existem soluções para evitar a ânsia do lucro a qualquer preço por parte dos grandes trusts multinacionais, especialmente os petrolíferos, exigindo-se uma intensidade maior, mais severa e concertada, da intervenção dos poderes públicos nacionais. As Nações Unidas têm urgentemente de se reformular, sob pena de terem fim semelhante ao da defunta antecessora, a Sociedade das Nações. O que implicará, do meu ponto de vista, um prévio agrupamento das nações por blocos geopolíticos. E aqueles Estados que não aderirem ao bloco respetivo, terão enorme dificuldade em sobreviver isoladamente. Se a União Europeia tivesse tido bom senso, teria consolidado uma Federação de Estados, antes de dar passos mais largos para leste. A recuperação terá de se espaldar na Ciência, a começar pela energia nuclear, onde desponta a era dos reatores de fusão, da substituição do urânio por tório e da água pressurizada por sais fundidos, recicladores de resíduos que vão diminuindo a radioatividade até níveis iguais aos naturais. Dentro de poucos anos, teremos no mercado minicentrais deste tipo, que moverão navios, eletrificarão cidades, vilas e fábricas, além de serem fonte barata, constante e ecológica para produzir hidrogénio, o combustível do próximo futuro. Ensinar tudo isto às novas gerações, pode provocar choques com as anteriores, mas vale o esforço das escolas e famílias. As universidades, observatórios e organismos estatais ou privados têm parte importante no processo, mas o principal pilar são as famílias, onde a crescente desestruturação rema contra a maré educacional.

A escola, o computador e a família
com a internet quântica no horizonte

Num núcleo familiar estruturado, os pais devem ser também educadores, pela ação e pelo exemplo. Nos Açores, com menos de 250.000 habitantes, devíamos estar no topo dos indicadores educacionais, mas estamos na cauda nacional. A razão está no baixo nível educativo das famílias açorianas e é aqui que deverá incidir o esforço governamental. Um tablet dado a um(a) estudante, exige acompanhamento por parte dos familiares, ou não produzirá os resultados esperados. Todavia, levantar esta questão entra no campo do politicamente incorreto, fere suscetibilidades eleitorais, acicata conflitos de geração e faz perder votos, colocando os decisores políticos num beco sem saída. Existindo no mundo 244 milhões de crianças e jovens que não vão à escola, pode parecer que estamos bem, mas os termos de comparação têm de apontar para cima, não nivelar por baixo, como alguns aparentam querer. Cabe à Universidade alterar mentalidades, por via da formação científico-pedagógica de professores, indispensável nos dias que correm, quando se perfilam no horizonte a computação e a internet quânticas, mais uma das etapas que a minha geração poderá ainda ter a sorte de visualizar. Se a nossa sociedade resistirá ao choque, como resistimos à gripe espanhola, à gripe aviária e às variantes do coronavírus, é do domínio da Ciência e da base genética individual. A geração baby boomer a que pertenço, ouviu os Beatles em discos vinyl de 78 rotações, hoje ouve-os online no You tube; projetámos diapositivos e figuras de livros em episcópios, agora usamos power-points; e até as reuniões se fazem à distância por Zoom ou Skype, ultrapassando geografias. Aliás, estaremos cada ano mais perto do teletransporte em holograma tridimensional, uma vez instalada a internet quântica. Sicut aurora scientia lucet/Assim como a aurora, a ciência ilumina, o ex-libris da Universidade dos Açores, mostra como a Ciência transforma vidas e traça destinos, num mundo em permanente e desafiante mutação”.
   
*Entre-títulos e destaques da
responsabilidade da Redacção

 

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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