Correio dos Açores - Perante o elogio do Presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro, perante a estratégia definida para o sector leiteiro na Região, é mesmo para continuar a reduzir a produção de leite e é para reduzir vacas?
Jorge Rita (Presidente da Federação Agrícola dos Açores e da Associação Agrícola de São Miguel) - Sim. Ao longo do tempo, temos dito que a situação dos Açores de mais produção não foi o caminho correcto, como eu sempre disse desde a primeira hora.
Eu sou produtor de leite, Presidente da Associação Agrícola de São Miguel e da Cooperativa União Agrícola que vende factores de produção, mas o principal desígnio desta instituição é o rendimento e dignidade dos produtores. E não tem sido, por via do aumento da produção, que o rendimento dos agricultores tem melhorado. E nós, há três ou quatro anos, que temos vincado essa posição. As indústrias penalizam frequentemente os produtores por haver excedentes de produção. Tínhamos tentado junto do Governo anterior uma estratégia para a redução do efectivo leiteiro, mas que não foi conseguida. Conseguiu-se a reconversão de leite para carne das explorações – que continuou com este Governo – e que começa a dar alguns passos, já que se reduziu 10 milhões de litros de leite produzidos entre 2020 e 2021. O aumento do abate de bovinos, de mais de quatro mil vacas leiteiras e cerca de mil novilhas – totalizando cinco mil animais – tem a ver com a reconversão leiteira.
Agora, o nosso propósito era tirar do vocabulário o que a indústria andou a apregoar ao longo dos anos, de penalizar os produtores por excesso de produção. O que queremos, é o que temos vindo a dizer, que é bonificar e ajudar os produtores a reduzir a produção.
Felizmente que este Governo Regional teve a inteligência e disponibilidade para, connosco, abraçar esta estratégia de reduzir a produção numa situação de mercado em que as indústrias consideram que há excedentes. Alguns produtores perceberam que podem ganhar mais, reduzindo a sua produção. Isto porque, o que está em cima da mesa é um preço do leite - que é o mais baixo de toda a Europa - e os aumentos contínuos dos custos de produção, que faz a situação ainda se agravar mais. Quanto mais produzirmos, mais vamos perder porque a despesa é superior à receita. E por isso vai existir uma ajuda de 15 cêntimos por quiloo, até ao máximo de 20% de redução relativa ao ano anterior (2021). Cada produtor que se candidate terá esse apoio de 15 cêntimos por quilo de leite, ou seja, 150 euros a tonelada, ficando salvaguarda a produção do ano anterior e as ajudas do POSEI. Por isso apelamos a todos os produtores que façam a sua candidatura que decorrerá entre 15 de Fevereiro e 15 de Maio.
Imaginemos depois o cenário que a indústria até necessite de mais leite, sabe que vai ter de pagar muito mais do que aquilo que paga. Até porque, quando pagar mais, vai ter a obrigação de ir para o mercado vender melhor o leite dos Açores. Ao pagar pouco, automaticamente, as indústrias não têm necessidade de vender melhor e procurar novos mercados.
É preciso não esquecer a sustentabilidade económica, social e ambiental das explorações, a fixação das pessoas no meio rural, e o trabalho que desempenham os agricultores nesta magnífica paisagem.
Mas, sabendo que ainda temos uma situação muito favorável relativamente à descarbonização, comparativamente a todo o país e a toda a Europa, ainda podemos dar um sinal positivo que até podemos reduzir o nosso efectivo pecuário e baixar a produção. Esperamos é que a União Europeia olhe para a Região Autónoma dos Açores ao nível dos apoios, pelo exemplo que estamos a dar na área da descarbonização. Apesar de termos uma situação mais favorável, ainda queremos dar o exemplo de como é possível ter excelentes produtos ligados a uma melhor sustentabilidade ambiental.
Com mais esta vantagem, queremos que as indústrias de lacticínios aloquem no seu produto final esta matéria-prima de excelência e não em produtos de commodities ou de marca branca. E que a indústria, com menos leite e com menos pressão, consiga fazer melhor, nomeadamente aproveitando os Quadros Comunitários de Apoio, modernizando-se, inovando no seu dia-a-dia e percebendo o que o mercado procura. Temos de produzir e transformar em função do que o consumidor quer e não é isso que tem acontecido.
Mais uma vez a produção está a dar um sinal de pro-actividade daquilo que a União Europeia dá como indicação e que nós, apesar de não estarmos a prejudicar o ambiente, ainda podemos melhorar.
Foi esta a estratégia que foi apresentada ao Governo Regional dos Açores, que foi muito bem aceite pelo seu Presidente, José Manuel Bolieiro, que tem mostrado capacidade, total disponibilidade e empenho na resolução dos problemas dos agricultores. É uma estratégia de responsabilidade, de querer ter um produto de excelência na Região Autónoma dos Açores. Será assim no nosso sector e noutros sectores, porque a dimensão nunca favorecerá a Região e temos de apostar na excelência com diferenciação associada à inovação.
Perante menos 2% de leite produzido num ano, em 2023 quanto espera que seja essa redução?
Numa entrevista recente, disse que em 2022 ia haver uma redução de 50 milhões de litros de leite produzidos. E tenho quase a certeza absoluta que isso irá acontecer. Somando a redução de 10 milhões de litros em 2021, estou convencido que iremos terminar 2022 com uma redução de cerca de 50 milhões de litros de leite produzidos na Região.
Pode-se dizer que menos leite produzido significa menos receita para os produtores. É um facto. Mas é também muito menos despesa. Com menos 50 milhões de litros de leite durante este ano, o resultado líquido dos produtores será melhor.
Isso é um sinal claro para a indústria do que quer a produção…
Para mim foi dramático ouvir durante muitos anos sempre a indústria a ameaçar com um garrote os produtores. E são históricas as coimas que foram aplicadas por termos ultrapassado a produção que era imposta.
Muitas vezes as indústrias fizeram isso por livre arbítrio, nós nunca concordámos, mas era a sua estratégia. Por isso, hoje em dia, as indústrias não podem nem devem reclamar. Pelo contrário. Se antes diziam que não melhoravam o produto porque tinham excedentes e tinham de os acomodar, agora a produção até está a fazer um excelente favor à indústria: reduzir o leite para poderem ter tempo, arte e engenho para fazer mais e melhor do que aquilo que têm feito.
Disse em tempos, numa entrevista, que receava que a agropecuária açoriana se reduzisse a muito poucas explorações. Estamos a ir nesse caminho?
Como Presidente da Federação Agrícola dos Açores, não quero ver produtores sair do sector agrícola. A mim custa-me.
Não estamos na Holanda, nem nos Estados Unidos da América, nem em outros países de grande dimensão, tal como já acontece no continente, por isso, temos tido estratégias com os Governos, no sentido de manter alguma produção em todas as ilhas, que para nós é fundamental para a própria coesão económica, territorial e até social que também se faz com a produção de leite. Por isso, custa-me cada produtor que sai do sector leiteiro.
O que não queria nem gostava era que ficássemos concentrados em poucas explorações na Região. Isso seria alterar completamente a imagem do que é a produção de leite nos Açores, que se faz com as pessoas. Não estou a referenciar de forma negativa os grandes empresários, que são importantes, mas quero realçar a importância de as pessoas e os pequenos produtores se manterem no sector. Mas tem de haver políticas e um preço do leite justo, para que eles se possam manter.
É que além de tudo o que já referi, estamos a assistir a um problema acrescido. Não é só o facto do preço do leite ser o mais baixo da Europa; de a conjuntura internacional de um aumento contínuo dos custos de produção; mas essencialmente o problema da falta de mão-de-obra. Parece um paradoxo, com tanta gente no Rendimento Social de Inserção, com tanta gente inscrita no Centro de Emprego, mas temos falta de mão-de-obra na agricultura. Temos falta de mão-de-obra e o desalento dos produtores – até devido às condições climatéricas que agravam as dificuldades que alguns ainda sentem porque não têm ainda grandes condições nas suas explorações; alguns caminhos que estão numa situação dramática devido à chuva constante –porque as pessoas sentem uma grande desilusão por irem todos os dias para um trabalho que até gostam de fazer mas onde não têm o justo rendimento.
E muitos estão cépticos em querer passar este problema para os filhos e temos de ter uma grande reflexão sobre este assunto. A produção de leite tem uma grande base familiar e se começamos a destruir essa base familiar para que fiquem só os grandes empresários, estamos a desvirtuar completamente a nossa realidade na Região.
Por isso digo que tem de haver uma atenção muito grande sobre esta matéria e este Governo Regional tem estado atento às nossas reivindicações e preocupações. Apesar de tudo, temos mais produtores de leite na Região do que no continente português.
Mas as nossas indústrias têm um papel importantíssimo ao nível da valorização do produto, embora muitas não estejam satisfeitas com esta estratégia porque querem produto bom e barato. Não é viável nem é sustentável. Não é sustentável para a Região Autónoma dos Açores continuar a ter o preço do leite mais baixo da Europa. É uma situação inadmissível.
No entanto, com esta estratégia de alterarmos alguns paradigmas na produção - e sei que muita gente não acreditava que este Governo aceitasse esta redução de produção como está a ser feita - os produtores vão ganhar e não perder rendimento.
Esta é uma reivindicação estruturante para o sector leiteiro nos Açores e as indústrias irão reflectir melhor no seu procedimento nos próximos anos.
Estamos à beira de um novo Quadro Comunitário de Apoio, há verbas do Plano de Recuperação e Resiliência que estão alocadas ao sector. Mas, neste último caso, são poucas as verbas para a produção…
Estão identificadas verbas de 30 milhões de euros, dos 580 milhões totais do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que virão para a Região. Mas são 30 milhões de euros para a agricultura no seu todo. Matadouros e indústrias levam a grande parte e fica cerca 4,5 milhões destas verbas para a produção. É muito pouco.
O desenho do PRR foi mal feito. Não contemplou os Açores no seu todo e o peso que a agricultura tem na Região, que não é comparável ao peso que tem na economia nacional. Se foi mal desenhado a nível nacional, também foi mal desenhado para a Região. Portanto, não será ao nível do PRR que vamos resolver parte dos problemas que temos, mas sim através do próximo Quadro Comunitário de Apoio. Existem verbas que podem ser muito importantes para a contínua reestruturação do sector, para a sua modernização, para a sustentabilidade ambiental, e os produtores vão estar atentos e disponíveis porque isso só nos vai favorecer.
Quando falamos em ambiente, é preciso perceber que o ambiente é de todos. Não podemos querer crucificar duas ou três produções agrícolas nos Açores quando não criticam os barcos de cruzeiro que entram na Região e o efeito nefasto que têm no ambiente. Respeitamos a opinião de todos em termos de preservação ambiental, mas é preciso que se perceba que nós queremos ser os primeiros a preservar o ambiente porque a imagem magnífica da Região é feita pelos agricultores. Se não fossem os agricultores não tínhamos floresta, nem tínhamos pastagem, nem hortênsias nem muros a dividir as pastagens. É com estas imagens que vemos que o agricultor tem impacto na nossa vida.
Os nossos industriais que aproveitem essa imagem magnífica do nosso ambiente e o facto de estarmos mais à frente na ajuda da solução. Porque o balanço da descarbonização quando for medida na Região Autónoma dos Açores, penso que teremos créditos. E esses créditos vão fortalecer ainda mais a imagem da Região e até dos nossos produtos, que podem ser anunciados como sendo de um local que está na vanguarda da descarbonização como é pretensão da nova estratégia da Política Agrícola Comum..