Desde 2005, altura em que arrancou a equipa cirúrgica do tratamento da obesidade no Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), já foram operados 406 doentes com obesidade mórbida ou obesidade de grau II. Actualmente a lista de espera para este tipo de cirurgia é de um ano e há cerca de 40 doentes à espera para conseguirem fazer a operação para, sobretudo, melhorarem a qualidade de vida.
Margarida Andrade, responsável pela equipa cirúrgica para o tratamento da obesidade no HDES, admite que o tempo de espera já chegou a ser de um ano e meio uma vez que “muitas vezes não temos tempos operatórios, não conseguimos operar todas as semanas” e na Região não existe um tratamento específico para a obesidade em que os doentes podem ser operados em programa de recuperação de listas de espera. “Aqui, ao nível do Governo Regional, tem de haver um programa específico também para isso”, afirma.
Mas esperar um ano por esta operação “não é nada de gritante” já que os doentes que estão agora a ser operados transitaram apenas do ano passado, confirma Margarida Andrade que comenta que a equipa de cirurgia geral especializada na cirurgia bariátrica vai ser em breve reforçada com mais um elemento, passando para quatro.
No Dia Mundial da Obesidade que hoje se assinala, a especialista diz que um dos pontos de honra da equipa cirúrgica do tratamento da obesidade “é que somos a única equipa do país que não tem nenhuma morte associada à cirurgia”.
Apesar disso, a taxa de insucesso deverá rondar os cerca de 10 a 15%, contra os mais de 25% que se regista a nível mundial. Mas quando se fala de insucesso, Margarida Andrade explica que este só se aplica quando o doente “volta a ter o mesmo peso ou mais do que tinha antes da cirurgia”. A especialista diz que “não estamos aqui a fazer modelos, até pode haver um ganho de peso, mas desde que tenha havido uma perda de peso substancial para o doente ter qualidade de vida e de melhorar as doenças associadas à obesidade, é um sucesso”.
A responsável pela equipa cirúrgica do tratamento da obesidade do HDES alerta, no entanto, que o doente também tem de se acostumar às mudanças que lhe são impostas pela cirurgia e seguir as indicações dadas pelos profissionais de saúde. Caso contrário, “se as pessoas voltarem aos hábitos antigos, voltarem a comer como antes e a cometerem os erros alimentares como antes, não há cirurgia que lhes valha, a não ser nos primeiros tempos”. É que após uma cirurgia bariátrica, há dois anos em que os doentes são mais controlados mas depois “é que vemos se as pessoas realmente cumprem ou não. A partir daí é que começam a dar sinais se começam a ter algum aumento de peso”.
Obesidade “cultural”
Margarida Andrade lembra que “temos de considerar a obesidade uma doença e tratá-la como tal. É por aí que temos de ir”. Mas não é só o medo ou a pouca informação sobre o assunto que impede os doentes de procurarem ajuda, há questões culturais que impõem alguns entraves a quem sofre da doença. “Por uma questão cultural, porque não querem deixar de comer, querem comer muito mas não é comer bem. Não querem restrições e em termos sociais requer uma mentalização da pessoa, que é importante. A pessoa nunca mais vai comer como comia antes e é isso que tem de pôr na cabeça. Além das complicações que podem ter se não cumprirem as indicações que damos. As pessoas pensam que é o milagre da cirurgia mas digo sempre que não é. É uma ajuda, querendo, mas não é milagre”, afirma.
Essa ajuda só chega através do bloco operatório em último recurso. Antes, qualquer doente tem de passar por uma equipa multidisciplinar que avalia o seu estado e vê a possibilidade de ser tratado através de outras especialidades, nomeadamente psicologia, endocrinologia, nutrição, gastrenterologia, e por fim a cirurgia geral. Após a cirurgia há ainda os especialistas em obstetrícia, por causa do planeamento familiar, de medicina física e reabilitação que são chamados a intervir além de outras especialidades, consoante o caso do doente.
“A cirurgia nunca será a primeira hipótese. Têm de ser avaliados na endocrinologia, têm de ser avaliados por psicólogo, tem de ter uma certa resposta à nutrição e depois ver se tem indicação para ir para cirurgia de obesidade”, explica a especialista que acrescenta que os doentes com obesidade mórbida não têm de ter doenças associadas para terem indicação para a cirurgia. “Os doentes não podem ser logo encaminhados para cirurgia, temos de ver a resposta à dieta, temos de ver se há descontrolo hormonal, tem de haver vários exames antes de chegarem até nós. Somos o último reduto, a última opção”, explica.
Os doentes encaminhados têm um Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 40, o que significa que têm obesidade mórbida, ou obesidade de grau II, ou seja, com IMC entre 35 e 40. Mas neste último caso têm de ter doenças que são normalmente associadas à obesidade, como diabetes, hipertensão e dislipidémia, doenças associadas ao colesterol.
Depois de chegarem à equipa cirúrgica, os doentes são encaminhados para realizarem o bypass de anastomose única, mais conhecido por mini-bypass, a cirurgia mais recente realizada no HDES que iniciou em 2005 as operações com a colocação de bandas gástricas “que de uma forma simples é só colocar um dispositivo para restringir a absorção de comida e de volume por parte dos doentes”. Em 2007/2008 a equipa evoluiu para a cirurgia laparoscópica minimamente invasiva, com o bypass gástrico, que entretanto já foi substituído pelo mini-bypass. “É uma cirurgia laparoscópica avançada, que requer um certo treino e é difícil, mas com muitas poucas complicações o que, para mim, é uma mais-valia. Eu tive de fazer muito treino porque estou a mexer em órgãos que não têm doença, o estômago e o intestino. Não estava habituada a isso”, refere a especialista.
Basicamente a cirurgia consiste em “restringir a capacidade do estômago absorver os alimentos e fazer uma nova ligação ao intestino para ver o novo percurso por parte das gorduras, para fazer menor absorção. Fazer um novo circuito alimentar para as pessoas perderem muito peso. Principalmente nos primeiros tempos, verem resultados rapidamente e terem mais possibilidade de sucesso”.
Nesses casos de sucesso há doentes que deixam de tomar a medicação que tomavam antes, melhoram muito a qualidade de vida. Há também as doenças associadas que só por isso desaparecem, como a diabetes, a tensão alta ou a dislipidémia. Há doentes com problemas articulares que começam a ter outra mobilidade e a ter outra qualidade de vida. “Às vezes podem não ter o peso ideal para ser modelo, e alguns doentes entram em pânico porque engordaram, mas apesar de engordarem aqueles 5 ou 10 quilos, estão bem. O que interessa é melhorar a qualidade de vida e os doentes não virem a mais consultas” das doenças associadas como a diabetes. Pequenas vitórias que significam muito para um doente que vê a sua qualidade de vida diminuir devido à obesidade.